QUANDO
ELE E ELA COMEÇAM
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Creso
Abreu
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Certa
manhã, minha mulher me deixou uma intimação em
forma de bilhete: eu precisava conversar com minha filha de 10 anos
sobre vida sexual, a professora pedira. Pois é. Vida de pai do
século XXI. À noite, conversamos, papai, mamãe
e a filhinha. Depois de intenso blá-blá-blá e inúmeras
expressões de tédio da parte dela (da minha filha, diga-se),
dei por cumprido meu dever, e fugi para uma leitura machadiana de urgência. Bem, hoje não tenho mais conselhos, mas continuo tendo algumas opiniões sobre o ele-ela. Vocês aí já podem perguntar desde o início - porque somente "ele e ela"? Diga-se que este que aqui escreve não tem nada contra as outras combinações. Tento simplificar usando uma velha piada de Roberto Campos, que se dizia "uma pessoa comum, isto é, não era gay, nem atleta sexual". Ainda bem preconceituoso, mas razoável para ser dito por conservadores. Bem, relacionamentos. Seria um campo em que alguns começam lá pelo final, mas o demodè aqui não concorda. Já imaginaram alguém começar um affair mandando bolacha no ser amado e dizendo coisas como "sua vaca" ou "seu cachorro miserável"? Claro que há muitos finais felizes. Mas não mais se sabe direito onde está o começo, o meio e o fim nestas coisas de amores. Acertado que deveríamos começar pelo início, deve-se deixar claro o que se considera início. Bem, no meu tempo (inevitável falar assim), o início tinha o nome de "paquera". Sim, anacrônicos flertes ainda existem, mas a paquera não era como as atuais, que implicam obrigatoriamente numa muito rápida aproximação, para o tal "ficar" com alguém. Paquerar, gente minha, era uma instância independente. Alguns amigos meus eram meros "paqueradores" a vida toda. E sentiam-se orgulhosíssimos. Podia-se unicamente paquerar, e ninguém tinha nada a ver com isto. Certas moças tinham um único rapaz como paquera (também é substantivo) por toda a juventude, isto, é toda a vida, e só. Algumas nunca passaram disto, e penso que tiveram essa tal paquera como única experiência afetiva até hoje - o que pode não ser muito, mas juro que boa parte delas vive feliz. Paquerar significava apenas olhar, olhar e olhar. Você podia olhar e ser olhado à vontade. Porém, uma vez tendo dirigido a voz para a garota, a condição era instantaneamente modificada para "falar namoro". Cruzes. É claro que você poderia dar com os burros n'água (tudo bem, sinto-me com duzentos anos), mas sempre valia a pena, considerando que entre o primeiro olhar e a abordagem objetiva existia usualmente um longo intervalo. Semanas ou meses, na maior parte das vezes. Doze anos, com um amigo meu, de óculos de fundos de garrafa, fanático por basquete, e que paquerava uma garota nem tão beldade assim. Pior: foi neste período que passou a gostar de futebol e a torcer para o meu clube, e aí, coincidência ou não, ficamos exatos doze anos sem ganhar um campeonato. Um dia a moça mudou de idéia e eles se casaram. E meu time foi campeão, graças a Deus. Pois é, hoje em dia se começa assim meio pelo final de antigamente. Casais que mal se avistaram antes, verdadeiro festival de encontros e desencontros, gente que se encontra e diz: "ei, não te beijei naquele dia?" Transa legal entre pessoas que quase não se conhecem, nos aeroportos, nos bares da vida, são situações aceitas até por papai e mamãe. Se houver sorte, pode até ser uma transa global, sob os edredons do Big Brother, papai e mamãe adoram, dão pungentes entrevistas dizendo que seu filho ou filha são maravilhosos, futuros astros, e vai por aí. Tá legal, ainda tenho duas filhas adolescentes e posso estar querendo regular a vida delas. Mas o fato é que lembro de um certo ser humano mais sutil. Coisas assim como ele fingir que não estava dando a menor bola praquele decote, e ela fingir que na realidade nem estava com decote. Tempos melhores? Não sei. Mas sem dúvida eram tempos mais elegantes. Em suma, acho este negócio de "ficar", de fazer sexo com quem não se conhece direito, um verdadeiro saco. Melhor assistir a um Hitchcock, e sonhar arrebatadamente com Grace Kelly e Kim Novak. Melhor se enfronhar na cama com um Umberto Eco (com os livros dele, claro) sem ninguém de olho, do que deitar nos edredons globais com todo mundo olhando. Nem espero que eles me entendam, mas rogo aos teens para que leiam "O nome da rosa", que eu nem vou contar o final. Melhor ainda, dêem uma olhada no Big Brother genuíno de George Orwell, em "1984". E saudações. |