COR
Bárbara Melo
 
 

O cinza da cidade já se tornou notório nas relações humanas. Um cinza, quase sem cor, uma não-cor, quase cinza.

Tal qual um esforço do último gemido, de um alguém diante da morte. Tentativa de afrontar, talvez, com um som milagroso, com uma esperança descabida, irritante, perseverante, a única coisa certa desta vida.

Um quase-nada, em que se cumpre a existência com irracionalidade, para não se descobrir sabedor de nada, explicador de muito menos e entendedor do que não se explica: acorda-se, come-se, bebe-se, fala-se, suporta-se.

Enfim, suportarmos o descontrole de sermos, somente, sermos. O existir não é fácil, talvez porque ele só existe...e, de vez em quando, provoque, apitando na consciência para simplesmente dizer: "vocês não me sabem". E nessa ignorância, simplesmente, passamos. Aceitamos. Somos cinza.

Mas de todas as inexplicáveis situações da vida, de vez em quando, algo se faz VERMELHO. Naquele dia insosso, naquela tarde sem graça, naquela noite sem estrelas...tudo se revela cor. Diante de nossos olhos a descoberta de um bilhete, muitas vezes perdido no tempo, colocado em recanto, para um dia ser achado com a intimidade muitas vezes desconhecida por amantes recentes.

Antes de abrí-lo o papel nos arranca confissões por nós desconhecidas. Quanta familiaridade, quando afeto, aconchego, sei lá, um sentimento vivo, cheio de cor. E, de repente, o tempo nos esquece. No limite suficiente para esquecermos do cinza diário daquelas repetidas cenas. Somos brindados com um buraco negro da realidade, pois não só somos, há o mais e quase chegamos na descoberta de tudo. Quase!

Quando abrimos não importa mais o que está escrito, lemos, sem dor, só com o mais puro da beleza do ser humano. Estamos completos, coloridos, e por isso, vivos. É nesse momento, quando o bilhete sai do coração para ser guardado em nós eternamente, é que dizemos à vida: obrigada!