ROUPAS, AH, AS ROUPAS!
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Maurício Cintrão
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Roupas têm algumas funções básicas. Tampar as partes pudentas e proteger o resto do corpo dos humores do clima, por exemplo. Servem para facilitar o cotidiano. Um bermudão que mostra o cofrinho para lavar o carro, uma roupa de briga para quem vai faxinar a casa e o uniforme embandeirado para o astronauta brasileiro. Roupas também qualificam as pessoas. O sujeito é guarda de trânsito e não pode estar vestido de fraque e cartola. O uniforme é parte da identificação do guarda. Ou você aceitaria levar uma multa de um cara musculoso e com fantasia de abelhinha nervosa? Roupas diferenciam as pessoas. A dona coisinha pode estar parecendo uma árvore de Natal, mas é aquele tipo de roupa que ela sempre usa, então, natalina é sua cara para os conhecidos. O intelectual em formação circula com aquele paletozinho puído, sapatos de camurça e óculos de aro grosso, escuro. Roupas impõem respeito. Experimente fazer entrevista de emprego de chinelos, camiseta furada e jeans manchados de molho. Depois conte qual foi o resultado. Em geral, o manual manda paletó e gravata para os meninos, conjuntinho de saia e blusa para as meninas. E nada de excessos, porque entrevistador é cinza. Roupas são sinais de trânsito. A coroa quer meter um chifre no coroa (e cá entre nós, tem lá as suas razões). Tasca um decote pecuário, daqueles que obrigam a gente a pensar em leite. Carregam na maquiagem, nas caras e nas bocas, mas a gente olha mesmo é para o decote. Roupas também foram feitas para esconder. Vai a um coquetel de executivos com faixa salarial acima dos 40 mil dólares anuais? Vista preto e ninguém perceberá que você passou por lá. Esses eventos parecem encontros de seguranças de bingo. Só faltam os óculos escuros. Roupas embalam produtos. Do contrário, os primos que se vestem de primas e fariam ponto nas noites obscuras com macacão e capacete. Travesti tem que vestir. Mesmo que ínfimas peças. O importante é empacotar a mercadoria de forma a agradar a freguesia. Roupas são máscaras. Porque não conheço nenhum baile de máscaras a que o casal compareça apenas escondendo os rostos. Aquilo que vestem tem que combinar com o disfarce. E geralmente as roupas são ridículas, mas devidamente mascaradas. Roupas rotulam quem vestem. Prisioneiros usam uniformes de prisão. Dondocas ainda vestem Barbies quando escolhem suas roupas. Coroas galinhões abusam dos volumes agrícolas sob os tecidos. Tímidos vestem roupas de tímidos. Palhaços tentam disfarças, mas precisam de espalhafatos. Roupas torturam autores novos. Porque o infeliz do novato não se veste para autografar, mas para ser lido. Em geral veste-se de maneira desconfortável, sapatos de doer os pés, vestimentas de espartilho vocacional. E passa a noite pagando mico. Roupas, ah, roupas! Eu nunca consigo chegar à roupa formal ideal quando o convite do evento exige a dita-cuja. Sempre falta alguma coisa. Normalmente, falto eu, porque odeio lugares que exigem trajes completos. |