POLIDO
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Gustavo
Colombini
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Passou em frente ao espelho em passos leves. Estava absorto notando as imperfeições dos tacos de madeira que revestiam o chão avelhado. Pela beirada dos olhos, notou a aparição do reflexo instantâneo como se fosse a primeira vez. Virou-se de lado, voltou sem pressa e centralizou-se na superfície vertical. Segurou o olhar por vários minutos. Arrancou a camiseta puxando-a pela gola e lançou-a na cama, subitamente. Sem movimentação, estudou-se por olhares em alguns poucos minutos; estes repassados da mais inaudível maneira. Desapertou a calça e retirou-a sem apoio. Oscilou o corpo para o lado, mas logo restituiu o equilíbrio. Livrou-se dos sapatos conservando as meias brancas. Parou novamente. Movimentou os braços e os punhos em movimentos incautos. Olhava fixamente o trabalho de suas articulações enquanto desafiava os limites de seus movimentos voluntários. Cingiu-se com os longos braços e paralisou-se em posição de sentido. O silêncio fê-lo notar a tela chuviscada e cinza-escura da pequena televisão sobre a banca. Questionou-se inconscientemente sobre a pouca luz do quarto, mas não se moveu. Bateram-lhe na porta. Quatro violentos toques. Desviou o olhar na direção e esperou. Com a respiração baixa, caminhou escondendo os passos e agachou-se. Enxergou no vão, a sombra que duas pernas faziam na amarelada luz do corredor. Levantou-se e sentiu a vibração de mais três batidas. A sombra foi embora momentânea. Correu pretensioso até o armário maior. Abriu-lhe as portas e examinou. Não havia nada além de um vago espaço. O bafio afetou-lhe as narinas resultando uma esternutação interrompida pelo bloqueio maciço de ar de sua garganta. Recuperou-se e voltou próximo ao armário. Encontrou numa das gavetas, tecidos dobrados que se assemelhavam a uma sóbria vestimenta alinhada. Retirou-a. Identificou, quando desamarrotou os tecidos, um fraque curto elegantemente apurado. Esticou-o, voltando em frente ao espelho e vestiu-se. Abotoou certeiramente a camisa impecavelmente branca e vestiu a asseada calça listrada em motivo garrafeiro. Deu vida ao colete e encaixou faustosamente o plastrão em cinza prateado. Cobriu-se com o casaco suntuoso e contemplou-se. Respirou ardentemente e perdeu-se com as mãos. O aspecto sério de sua face ganhou potência. Aproximou-se da cama e deitou aliviado. Ajeitou-se satisfeito e lentamente fechou seus olhos. Imaginou poucas coisas sem sentido e adormeceu em instantes. |