AQUÁRIO COM OURO BRANCO
Eduardo Prearo
 
 

Ponho o vestido em cetim rosa com bolero preto bordado em paetês, calço as lindas sandálias azuis-claras e digo que estou pronta. Você me olha horrorizado e acho que capto seu pensamento.

--- Estou ridícula?

--- Não exatamente. Mas tudo bem, parece uma...burguesa luxuosa. Vamos senão perderemos o jantar.

--- Calma, Alan. Nem sabemos ao certo se vamos entrar na festa. Não temos nome na lista, nem convites...Já disse pra não pôr camisa branca. Tem que ser preta. Pre-ta!

Olho nos seus olhos e antes de lhe dar um selinho básico você recua, vira-se em um frênesi e começa a falar do tempo, que vai chover, que seria bem melhor levarmos guarda-chuva. Abaixo a cabeça, estendo o braço e ponho uma cópia das minhas chaves em suas mãos. Saio primeiro. Detesto por vezes meus amigos, alguns amigos, ou todos. Você fica em meu apartamento, desiste, mas está feliz com a confiança que lhe deposito. Volto tarde, embriagada; encontro você sem camisa, deitado no sofá, preocupado.

--- Como foi o evento, Libânia?

--- Foi glamouroso. Entrei como Marina Fischer, a artista plástica de renome internacional.

--- Sacana, isso não é certo. Certa gente desconhecida já está sussurrando coisas estranhas a nosso respeito, caríssima.

--- Você tomou o remedinho? Alan, pára com essa mania de perseguição. As pessoas não ficam esquadrinhando as outras gratuitamente, ainda mais para criticar. Estamos no início do século vinte e um, mas no século vinte e um, poxa! Temos que arrumar um bom emprego. E logo. Não tem nada pra comer nessa geladeira. E agora vai, levante-se daí, vá embora para a pensão.

Olhos nos seus olhos enquanto tiro o vestido e visto a camisola. Você parece apavorado com alguma coisa; será que com o próprio egoísmo ou com o que acha que seja egoísmo? Por que você tem sempre que ser santo? Por que é igual a todos eles, os miseráveis? Fico com pena de você; quem se interessaria por um homem assim, sempre seguindo a percepção alheia do mundo, percepções talvez mais misericordiosas, não sei se certas. Depois que lhe deram um corretivo, parou de surtar um pouco. Você advinha e vem, vem bem rapidinho soltar o fecho da minha corrente de ouro. Platão diz que o ouro é água. Jogo a corrente dentro do aquário cheio d'água e de peixes e a mim mesma na cama.

--- Fique, Alan. Há uma luz no final do túnel.

--- Libânia, entrei para o Exército da Salvação. Não acha legal?

Imagino que exista burocracia neste país até para quem quer ser voluntário. Fico quieta, tento não infantilizar sua decisão. Respeito. Você não está bem, parece estar com raiva de mim. Chove. O som da chuva me atormenta, mas sei que o acalanta. A gata Frida entra pela janela, mia, está meio escaldada. Você põe a camisa, passa a mão na cabeleira untuosa e espessa e diz:

--- Um ex-amigo meu ligou neste número. Eu atendi. Você mantém contato com meus ex-amigos? Não, não é possível que seja por isso que se tornaram ex. Que nojo, nojo de mim mesmo!

--- Eu, Libânia, sou seu único amigo. Ou melhor, amiga. A troco de quê eu faria tal coisa? Você na verdade nunca teve amigos, meu amor.

--- Você por vezes parece que não quer meu bem. Não quero vê-la nunca mais, desculpa, mas não quero mais vê-la.

--- Vai acabar em um albergue, passar fome...

--- O quê?

--- Psiu. Cale-se.

Você joga as chaves sobre mim, com força, machuca-me, deixando-me perplexa. Mas rio, rio muitíssimo. "Intuo" que nunca mais irei vê-lo. Porém tenho Frida, e você não é um gato, é apenas um ser mal-agradecido destinado à solidão absoluta.