SOBRE VANDERLÚCIA E EU
Ubirajara Varela
 
 
Eu nunca contei para ninguém o real motivo de ter aceitado me casar com Vanderlúcia. E eu fiquei calado só porque considero algo muito pessoal. Um segredo só meu. Uma intimidade que ninguém precisa colocar o bedelho. Até porque, se não o fosse assim, não seria segredo. E um segredo destes poderia sugerir desapreço pela minha querida. Como eu sou louco pela Vanderlúcia, não gostaria de correr este risco. Tudo o que falei para ela ao pé do ouvido, na vivência do nosso namoro, fora verdade. Ninguém me venha dizer o contrário, pois correria o risco de estar sendo injusto. Assim, para garantir que ninguém soubesse ou desconfiasse do real motivo de minha causa secreta, eu inventei algumas supostas explicações, as quais serviram para explicar o nosso casório.

Por exemplo: para os pais de Vanderlúcia, seu Vander e dona Lúcia (acho que nem precisaria mencionar os nomes deles de tão criativos que são), eu inventei um monte de bobagens, do tipo: "nós já estamos namorando há muito tempo", ou "já está na hora de termos algo mais sério e constituir uma família". Tudo o que qualquer sogro do mundo quer ouvir do seu futuro genro. Fiz o filme! Mais um motivo para segredar as minhas razões pessoais. O que, no fundo, no fundo, não deixa de ser verdade. Minhas intenções eram e sempre serão as melhores possíveis quanto à minha esposa.

Para os amigos mais chegados, parceiros de futebol e colegas da faculdade, eu inventei que Vanderlúcia estava grávida. Todos aceitaram muito bem, apoiaram-me, fizeram festa de despedida de solteiro com stripper, charutos cubanos e bebedeira. Depois, o neném veio naturalmente, e ninguém percebeu que as datas não batiam. A galera não se preocupa com essas coisas. O essencial, e isso nós mantemos inalterado até hoje, foi o pacto de que a pelada de quarta-feira e o clássico do domingo seriam sagrados. Posso até dizer que saí ganhando, pois eles pararam de torrar a minha preciosa paciência com aquelas idéias bestas de homem solteiro.

No entanto, o verdadeiro motivo, ninguém nunca desconfiaria. Trata-se de uma paixão antiga, que vem do tempo de criança, quando minha querida avó - diga-se de passagem, uma cozinheira de mão cheia -, preparava-me quitutes os mais maravilhosos e saborosos desse mundo. O que realmente me fascinou na Vanderluzinha, extrapolando qualquer expectativa, até mesmo o sexo, foram os deliciosos ovos fritos com as bordas pururucadas que ela me prepara nos desjejuns. Que delícia! Vanderlúcia, você é formidável!