A IMPERATRIZ
Kátia Rodrigues
 
 

Na sala a penumbra caia, mas bastava-lhe a luz do fim do dia. Gostava dessa hora quando todos, envolvidos nos movimentos do dia, ir e vir, deixavam quieta a vizinhança, sem ruídos. Puxou a cadeira e sentou-se frente à mesa.

As mãos longas, de unhas pintadas de esmalte claro, soltaram o cetro e o escudo. Juntou as palmas, inclinou o pescoço para trás, e fechou os olhos, ficando em silêncio. A tiara sobre a cabeça incorporara-se a seu corpo e não mais lhe sentia o peso. Olhou-se sob a luz do fim de tarde: as vestes azuis e vermelha, a faixa amarela na cintura; os pés descalços sobre a terra - era tão prazeroso! Apanhou o baralho e pos-se a misturá-lo, tentando esvaziar-se de perguntas.

Colocou as cartas sobre a mesa e cortou o maço, sete vezes, para novamente sobrepor as cartas e, finalmente, dividi-las em três montes. Escolheu cinco: estava aberto o jogo. Colocou lado a lado, o dois e o três de paus. Sobre eles, ao centro, a terceira carta. A resposta era a Rainha de ouros. E a quintessência a primeira carta do naipe de copas.

Com cuidado analisou-as uma a uma. A escolha que o dois mostrava já estava assegurada e os bons augúrios da segunda posição, confirmava que agira certo. Regendo, olhou-se, como um espelho, sentada no trono, ciente de suas escolhas, grávida de sua própria vida; quantas expectativas e possibilidades tinha pela frente. Na rainha, a resposta, viu novamente o azul e o manto que lhe cobria o ombro. Deslizou as mãos sobre os ombros, com frio, aninhando-se no xale amarelo, encoberta que estava agora a sala que se enchia da noite.

Levantou-se, acendeu a luz do corredor e no quarto apanhou apressada a bolsa, abrindo-a enquanto ia até o armário apanhar os sapatos. Calçou-se e passou, sem olhar, brilho nos lábios. Foi até a porta da frente, o ruído dos saltos enchendo a sala. Antes de fechar teve o cuidado de apanhar as chaves; no escuro do hall, chamou o elevador. O amor estava lá fora.