DESENGANADO
Eduardo Prearo
 
 

Acordo cedo, não tomo café nem banho, saio pra rua. Cansei de mandrianar. A roupa oreada continua molhada,mas agora em meu corpo. Chego ao trabalho onde sou consultor independente e não há ninguém. Os fogos de artifício anunciam que está havendo um jogo do Brasil. Esqueci-me da Copa do Mundo. Vou, então, a um parque, sento, tento ler, há poucas pessoas. Uma mulher passa por mim e diz:

-- Aqui é o paraíso dos caçadores!

Fico sem entender, porém continuo a ler e os fogos me avisam sobre um outro gol. Saio do parque, resolvo ir ao cinema, mas está fechado. Não é possível, penso, há um problema na porta. Não há. Que vergonha. Caminho pro inferno? Tomo um paregórico, não acho que eu seja normal. O jogo acaba e todo mundo surge feliz. As ruas ficam cheias de novo. Volto ao local de trabalho, não produzo muito, sinto-me péssimo. O chefe me chama e diz:

-- Você não tem vendido ultimamente e tem gasto muito telefone com ligações pessoais. Aqui é tudo gravado, seu Gilberto.

-- Perdoe-me. De repente fiquei tão vadio! Não sei o que está acontecendo comigo. Escrevo poemas, sabe, e...

-- Eu também tenho uns poemas na gaveta, todo mundo tem. Mas o trabalho vem primeiro, depois o hobby. Você é tão tímido para vender, para ser escritor! E nem português parece que sabe. Não tenho tempo, mas vamos, leia um poema seu para mim.

-- Esta bem, então. É um soneto e se intitula Desenganado...

Amor pretérito, luar dourado,
não tenho nada, nem mais tenho luz.
E nenhuma alma ficará do lado.
Me ajuda agora, por favor, Jesus!

Eu prevejo no fim lobotomia,
pois a esperança de um milagre parte.
Se vêm os tapas, uma corda mia,
sou marginal, um pecador, de Marte.

O meu desejo de sumir é grande.
Pouca-vergonha esta preguiça indômita.
-- Na vida pensas? Pois trabalhe, ande!

Deixe-me aqui nesta cadeira,amor,
a contemplar os tons de azul do mar,
a contemplar esta pequena flor.

-- Pronto. Gostou chefe?

-- Meu filho, isso não tem valor nenhum.

Anoitece. Ningúém me persegue, ninguém me imbeciliza. Entro em um bar, bebo, vou ao banheiro. O ambiente me deprime. Sem amigos, penso em Deus. Por que sou malvisto? Chego no cortiço onde moro. Penúria. Abro uma carta e para meu espanto, não é propaganda nem intimação, mas uma carta de amor anônima. Impossível, penso. Nem a leio, ponho fogo. Amanhã é um novo dia?