MAVINIEUX
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Carlos
Mestre
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12 de setembro de 1973. Ela e eu líamos, no Le Monde, uma matéria sobre o golpe militar havido no Chile. E rolávamos nus por sobre os jornais. E nos amávamos mais. E mais. E eu pensava em Neruda. E eu recitava, voz grave, o Canto General: "...La más alta vasija que contuvo el silencio: / uma vida de piedra después de tantas vidas". E o mundo estava em convulsão. E os nossos corpos convulsos, engajados, espremiam as tintas daquelas palavras de horror. Olhávamos o Sena por alguns instantes, mudos, saciados. E o Maio de 68 revigorava nossos laços; porque naquele maio nos conhecêramos, e nos amáramos com a fúria dos confrontos que urravam por liberdade. E voltávamos a nos amar, e nossas têmporas latejavam. E combinávamos outros encontros. E o próximo seria na ponte Alexandre III. 24 de setembro de 1973. Eu olhava, a partir da ponte Alexandre III, a torre Eiffel, majestosa, a espetar o céu sem nuvens. Mavinieux demorava. Algo incomum. Inquieto pela demora, abri o jornal. E lá estava. Neruda morrera. E agora eu me sentia só, absolutamente abandonado. As minhas palavras morriam. Porque não eram minhas; eram de Neftalí Basoalto. E ele não tinha o direito de me abandonar sem prévio aviso. E um mau pressentimento me afogou na dúvida crucial: ela não viria? Repentinamente o poema número um brotou dos meus lábios: "Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos...". E eu pensei em Mavinieux. E ela não veio. E nunca mais nos vimos. Talvez tenha voltado para o marido. Talvez houvesse outro amante. Mas não há outra Mavinieux, ou outra Paris, muito menos outro Neruda. |