DOCE MELANCOLIA
Leila Silva Terlinchamp
 
 

(Era outubro, ano 2001 Atlanta – Geórgia)

Primeira semana:

Corre, corre. Faz malas, desfaz malas, procura hotel, muda de hotel.

Perdida na cidade. No mundo.

Café da manhã na livraria gay perto de Piedmont Park: bagle with cream cheese and café latte. Folheio os livros, olho a clientela. Um conversa no celular, outro trouxe o laptop, outros dois conversam animadamente.

Segundo e terceiro dias tomo café da manhã no mesmo lugar. O bagle é bom, o café é aceitável e não sei aonde ir. Estou cansada de museus. Nao posso ouvir a palavra museu. Não me proponha museu. Não hoje. Vou ao parque!

Faz um friozinho e há sol. Caminho no Piedmont park. Delicioso sol. Quando faz frio, é bom sentir o sol. Algumas pessoas passeiam com o cachorro, outras passeiam com as crianças. Quem passeia com o cachorro traz um saquinho para catar as bostas. Quem passeia com as crianças dá muitos berros. Sento-me num banco, pego o livro que trouxe mas continuo a olhar a paisagem, as crianças, os adultos, os cachorros dos adultos. Ninguém pensa em Bin Laden. Parece que não. Afinal, vou ler. ‘To kill a mockingbird’ foi a sugestão que recebi para conhecer melhor o sul. Leio em inglês para melhorar o vocabulário.

Ando, ando e sigo andando. Paro na frente de uma dessas lojas que vendem roupas de militar e muitas diferentes coisinhas do exército, Army surplus. Fico olhando para uma camiseta com a cara do Bin Laden dentro de um alvo. Um ‘afro-americano’ (agora é preciso ser politicamente correta) pára do meu lado, coloca os pacotes do FedEx no chão e fala e fala e fala e me aponta a cara do Bin Laden. Não entendo nada. Tento explicar que não estou entendo, ele finalmente percebe que venho de outro planeta. Aproveito para perguntar se há um cinema nos arredores. Ele pergunta ‘wanna go to the movie?’ – e desta vez entendi bem - Se eu quiser esperar, dentro de uma hora ele terá terminado o trabalho e poderá ir comigo. Thank you very much! Prossigo a caminhada. Não vou ao cinema.

Paro para um sanduíche feito por um grego e pago cinco dólares para o turco do caixa. Simpaticíssimos. O grego fala muito. Os dois vêm para a minha mesa e conversamos até o final da tarde pois não há muitos clientes e eu não tenho o que fazer.

Anthrax. Medo. Pânico. Pó branco. Egoísmo. Odio. Ignorância. God bless America!

Na tv propaganda do Prozac. Ações em câmera lenta. Todo mundo feliz, correndo, regando o jardim, sorrindo, rindo. Experimente! Experimente! Admirável mundo novo.

Temos um apartamento. Home sweet home. Alugamos tudo, as colheres, as facas, o pano de prato, o escorredor, a cama, a mesa, everything.

Final de outubro

Nas segundas, participo de um grupo de conversacão numa biblioteca. Russos, venezuelanos, um chinês, um yuguslavo (segundo ele), um mexicano e uma brasileira, eu. No final o mexicano vem falar comigo. Em espanhol, é claro. Digo-lhe que adoro o espanhol mas neste momento preciso falar inglês. Ok, no problem! Ele me propõe carona e de vez em quando volta a falar espanhol. Tento responder em inglês. ‘Pero tu no pareces brasilera, estoy muy surpreso’. Ele arrisca um portunhol, teve uma namorada brasileira. E com o que deve parecer uma brasileira? Never mind.

No segundo encontro eu e o mexicano damos um fora. O professor nos entrega um folheto onde há uma foto da bandeira dos Estados Unidos, faz um comentário sobre os últimos eventos ‘catastróficos’ e sobre o aumento do número de bandeiras expostas. Ele quer saber que tipo de sentimento o povo americano está demonstrando. Digo (e sem querer provocar, juro): Nationalism. Big mistake. Deveria ter dito PATRIOTISM. Uma russa puxa-saco encontra a palavra ideal para a felicidade do professor. O mexicano não achou melhor exemplo para o verbo ‘destroy’ que “The USA are destroying the Aphganistan”. Contrariado, o professor disse que a frase estava gramaticalmente correta, mas ele poderia também dizer que “The USA are trying to destroy Bin Laden, not the Aphganistan”. E assim aprendemos todos os dias.