ODEIO
OS ARGENTINOS
|
Carlos
Mestre
|
O
Eduardo, cujo nome é uma homenagem dos pais a um dos ídolos
brasileiros na copa de 70, revelou, enfurecido:
- Odeio os argentinos! Eu perguntei a razão de tanto ódio e ele me respondeu desfiando um rosário de nomes e qualificativos: Jorge Rafael Videla, ditador sanguinário; Juan Domingo Perón, ditador populista; Cláudio Canniggia, carrasco impiedoso; Diego Armando Maradona, pseudo-craque e assistente do carrasco impiedoso; Carlos Alberto Tevez, traidor pós-copa. Quando encerrou a lista eu quis saber se era só aquilo. Assentiu. Ponderei que o caso não era com os argentinos, mas com alguns argentinos. Ele esbravejou um não que me pôs em silêncio por alguns segundos. Subitamente apoiou os cotovelos nos joelhos, enterrou as mãos nos longos cabelos louros e chorou. Mas que diabos estava acontecendo? Continuei mudo. Finalmente levantou a cabeça e disse, em prantos: - Nós temos algum Cortazar por aqui? Sem entender nada, respondi que não. Ao que ele emendou: - Essa é a nossa desgraça! Você já leu o Cortázar? As Armas Secretas, O Jogo da Amarelinha, Valise de Cronópio... - Não. - Essa é a merda, nós não servimos para a nostalgia, para a melancolia. O tango sequer é a nossa música! Tá tudo errado. - Edu, do que é que você está falando? - Minha mulher me deixou... - Ah! Agora eu entendi... - Entendeu porra nenhuma! - Então me explica, pelo amor de Deus! E soluçando ele encerrou: - Eu tô aqui sofrendo por causa daquela vagabunda, mas amanhã, ou semana que vem, ou daqui a um mês, sei lá, já estarei curado, de volta à sacanagem. E isso é terrível, terrível! Sabe por quê? Porque se eu fosse argentino dançaria um tango, tomaria um porre em memória da Carol Dunlop e do Cortázar, escutaria Gardel até corporificar a minha melancolia. Assistiria a um daqueles combates de boxe clássicos ao som do Charlie Parker, e queimaria umas folhas do Ficções, do Borges, com um charuto de quinta. Mas não. Eu não sirvo para o desencanto. O que é que eu faço? Levantou e foi embora antes que eu dissesse qualquer coisa. |