A
DOCE MELANCOLIA
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Angela
Viana
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De repente Salete se viu só. A mãe havia morrido quando ela tinha 15 anos, os irmãos estavam no exterior, cada um em um país diferente e o pai, sua única companhia dos últimos 10 anos, tinha sofrido muito, vítima de um Câncer que o foi matando aos poucos e então, um dia após o funeral, Salete havia acordado e se dado conta do quanto o apartamento em que morava parecia grande demais para ela. Sentiu falta até da enfermeira, que antes vinha todos os dias cuidar de seu pai, agora ela não viria mais. "E quem cuidará de mim?" Foi o que Salete pensou naquela manhã, não tinha mais lágrimas para chorar, mas estava muito triste. Se ao menos tivesse alguém para conversar... Porém não tinha ninguém, todos os que haviam participado do funeral já tinham se despedido na noite anterior e ela estava tão cansada, que até achou bom. Pensou em ir para o trabalho, mas não ia ficar bem, afinal de contas, ela tinha uma semana de luto e pensou no que os colegas iriam dizer se a vissem com o olho inchado daquele jeito... Sentia-se desamparada, vazia e não conseguia pensar em um futuro melhor, imaginava-se envelhecendo terrivelmente sozinha. E se ficasse doente? Quem poderia lhe ajudar? Achou que viver para passar por tanto sofrimento não valia a pena e tomou uma decisão: queria morrer também, mas nem pensou em suicídio, não tinha coragem para esse ato extremo, embora estivesse desesperada, então pegou a bolsa e saiu sem rumo, caminhando vagarosamente ao acaso. Salete parecia hipnotizada, caminhava sem olhar para os lados e passou o dia assim, não percebeu que a noite chegou e nem ao menos sentiu sono ou cansaço, andou até o amanhecer do dia seguinte e então adormeceu na relva, sem saber onde estava, mas isso não a preocupava, o importante era repousar um pouco. E assim passaram-se dias, Salete nem se deu conta de que sua bolsa havia desaparecido, levada por um trombadinha logo que saiu de casa. Exaurida pela fome que a enfraqueceu, foi socorrida por um policial, que a encontrou desmaiada no canteiro de uma estrada deserta há quilômetros de distância de sua cidade. No hospital, quando abriu os olhos, perguntaram seu nome e de onde vinha, mas não respondeu, sentiu-se acolhida e aconchegada, nunca havia sido internada antes, porque sempre teve uma saúde de ferro. Salete não disse uma só palavra e julgaram que ela fosse surda, mas logo perceberam que não se tratava disso, ela escutava muito bem. Não souberam o que fazer com aquela misteriosa paciente, até que alguém teve a idéia de chamar a imprensa e publicar uma foto de Salete no jornal e filmar seu rosto, certamente assim seria possível descobrir quem era ela afinal. Mas Salete não permitiu que ninguém a filmasse e muito menos a fotografasse, cobriu-se com o lençol de sua cama e manteve-se assim até mesmo enquanto cochilava, porque dormir ela não se atrevia, com medo de que aproveitassem e revelassem seu rosto ao mundo. Certa noite, cansada de ficar sempre em alerta, cortou os cabelos, na certeza de que assim ninguém a reconheceria e adormeceu profundamente, mesmo que a fotografassem, jamais a descobririam, porque ficava muito diferente de cabelos curtos e 15 quilos mais magra. E foi assim que Salete permaneceu no hospital e lá se encontra até hoje, querida e amada por todos os funcionários, que desistiram de procurar por sua família e concluíram que ela não tem ninguém. Ainda continua silenciosa, mas sorri meigamente sempre que alguém entra em seu quarto. Ficou conhecida por todos como a Doce Melancólica. |