ANGÚSTIA OU MEU AMOR
Oicram Somar
 
 

Ela foi ao analista, psicólogo, psiquiatra, terapeuta, Pai de Santo, médium, conselheiro espiritual; falou com o pastor, o padre, o apóstolo; ligou para a irmã, a mãe, a melhor amiga; mandou emeios para amigos e quase desconhecidos; acendeu velas aos santos do oriente e do ocidente; consultou os oráculos, tirou a sorte, procurou respostas entre os adivinhos, os místicos e toda a sorte de mágicos e benzedeiras; consultou livros, pesquisou na internet, e arriscou com a vizinha, no boteco, na padaria da esquina, com o cobrador do ônibus; leu a biografia dos escritores, dos artistas, dos filósofos e tudo em vão, e tudo em vão. A verdade, nua e crua, uma verdade nua e crua, o que seria uma verdade nua e crua? Agora sabia, era aquela verdade que não deixava dúvidas, aquela do tipo: assim era e era assim. Ela simplesmente não conseguia escrever mais e não sabia por quê? Até que subitamente uma resposta, não de seus problemas, mas do desenlace desta situação angustiante para qualquer escritor. Em um emeio que não sabia a procedência, estava escrito: escreva a primeira frase e dialogue com ela, seja ela qual for, boa ou ruim, fraca ou forte, clara ou obscura. E foi o que ela fez, e arretada como sempre, começou com aquela expressão tão difícil para muitos de ser pronunciada:

"Eu te amo. Eu sei que dito assim pode parecer estranho, mas é que desde a primeira vez que te vi, senti que já te amava, e se isso não for amor, o amor não é nada, não é nada diante do sentimento que sinto por você. Sinto que há muito tempo estou sozinha, sozinha em meio a tanta gente. Sei que você pensa que eu, só por ser escritora, e parecer meio anti social, tenho um certo talento para viver sozinha, mas não é bem assim. Não que eu não goste de passar boa parte de meu tempo comigo mesma, e acho isso até uma qualidade muito boa que eu tenho, pois sou independente até a medula, e até sexualmente aprendi a me resolver muito bem. Mas isso não é tudo e nem pode ser. Somos ilhas não? Como invadir um mundo interior, como fazer parte dele, como saber ao certo o que o outro sente, pensa, em seus quartos pouco iluminados e mais recônditos. Existe a impossibilidade psicológica de decifrarmos um ao outro em toda a sua extensão, e sei que para você isso não é nenhuma novidade. Acontece que vivo disso, me nutro disso, e os sentimentos do outro em comunhão com os meus me fazem elaborar todo o meu complexo sistema simbólico, tão delicado e sutil. É por isso talvez que estou sempre apaixonada, amando, interagindo. Não, não sou promíscua, sou saudável, e preciso de gente sensível ao meu lado, e dar vazão aos meus sentimentos, que são sentimentos nobres, aprendi a cultivá-los como aquelas flores dos campos são cultivadas, sem apego, até com uma boa dose de irresponsabilidade, mas nunca com desrespeito, ou falta de atenção e carinho. Acontece que apesar de meu jeito seguro, intenso e forte, não nego a minha insegurança, as minhas fraquezas e até a minha superficialidade, se bem que é difícil as vezes para mim encarar certas limitações de meu caráter. E por mais que você pense, ou saiba por ai que eu estou sempre com alguém, é porque simplesmente eu procuro algo com a minha intensidade e não desisto nunca, jamais desistirei de meus sonhos. Mas o que eu procuro? Se eu soubesse pode ter certeza que já teria achado, se ainda não, saberia identificar o objeto de minha busca, assim que o encontrasse. Mas, e se minha busca fosse por algo que nunca tivesse visto, sentido, entendido? Como saber, do encontro com este algo se eu posso identificá-lo? Bem, só me restaria apelar para a intuição, o instinto, a sina. E assim tem sido desde muito tempo, não sei quanto tempo, não me pergunte sobre o tempo, você sabe, esqueci a minha idade há muito tempo, não guardo datas, não sei os dias da semana nem do mês. Tudo que eu posso te dizer, é o que tem acontecido comigo desde o dia em que te vi, e aqui vou tentar te descrever".

"Pensei em te relatar o meu drama, ou seria o meu êxtase?, em um conto abstrato destes que a gente conta apenas levando em conta o ritmo, as palavras fortes, como flores intempestivas no meio do salão embriagando-nos e fazendo-nos amar desbragadamente por toda a eternidade em meio a um mundo incompatível com tanto amor e forçando-nos a nos elevar por céus jamais imaginados. A duvida me assaltou e por um momento achei que deveria um conto obscuro destes que a gente diz o que não quer dizer, e nas entrelinha insinua tudo o que sente, coisas como, não me importa que você diga que me telefona e me esquece do outro lado da cidade ao lado do telefone e dois dias depois me vem com a notícia de que está saindo para viajar, mas volta na quarta, e na quinta ainda não apareceu mesmo que eu tenha te esperado com mil poemas e a sua receita favorita e também tudo bem se você tem que tratar de seus assuntos e é claro que todo mundo tem que trabalhar e eu entendo a falta de tempo, tudo bem não deu para me ligar, acontece, acontece. A verdade é que eu não sabia como começar o texto, porque não sabia como começar texto algum. A verdade é que eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Pensei em terminar com tudo que nos pudesse unir, cheguei a mudar meu emeio, acabei com meu blog, parei com as aulas de Yoga e mudei de praia. Tudo em vão. Tudo em vão, porque eu descobri no fundo de minha alma um sentimento que até então nunca tinha nutrido por ninguém. Um sentimento que eu não quero perder, mas ao mesmo tempo, me corrói a alma, o corpo, a razão, tudo, tudo, tudo, e paradoxalmente sinto que pode me salvar, eu que nunca acreditei que houvesse algo para ser salvo".

"Este é o primeiro conto que eu tento sobre o influxo deste impulso que me arrebata, que se impõem, que me domina, e este impulso vem de você. Mas me sinto impotente ainda, para tão grande empreitada, sou nova, uma criança que descortina o mundo sob esta nova maneira de ser, de estar, de ver o mundo através de sentimento tão forte, tão magnânimo e tão assustador. Só te peço que me entenda e que jamais cobre de mim uma única palavra, muito menos um poema, ou um livro, porque eu te amo e se meu amor não desaguar no seu amor, eu estarei condenada a ficar em suspensa na literatura universal, sabe-se lá por quantos nascimentos".