AINDA SOMOS CIRCENSES?
Leila de Barros
 
 

Diáfanas borboletas brancas seguem seu curso na direção das flores que plantamos.

E nós, que caminhos temos trilhado?

Percorremos tantas alamedas insólitas e, assim descalços, nem sequer sentíamos os pés se arranharem nas bromélias.

Onde andam nossas almas desnudas, que caminhavam a esmo, nas transversais da avenida Paulista?

Brincávamos de subir nos telhados e miávamos para a lua nas noites de outono, em que o céu é mais aberto.

Nossos corações também eram abertos e generosos. Sempre à espreita de novidades e sob o êxtase de comemoração da vida.

A tudo se celebrava.

As ocorrências eram as mais banais e os eventos quase não importavam. Interessavam as frases, o conteúdo das taças e o champanhe no olhar.

Como borbulhavam nossos ideais.

O vento noturno nos sussurrava segredos, que ficavam guardados como bolas de gude, tilintando na mesa de jantar, enquanto seus olhos devoravam meu decote.

Nossos beijos seguiam descendo as escadas, como a enxurrada selvagem.

Nos molhávamos na chuva de verão e secávamos a alma sob a lareira.

Onde andam nossos textos? Escrevíamos cada dia um pauta nova.

Deixávamos o riso correr frouxo, insensatos que éramos.

Insanos, a ponto de sairmos desnudos na aurora, andando na relva molhada e escandalizando as senhoras bem casadas com nossos atos pouco pudicos.

Quem dera, eu tivesse mil dons de profecia e adivinhação!

Não sei onde andam nossos trilhos e estações. Ando pelos vagões e aprecio a paisagem repetidas vezes, na busca de uma chegada.

Vejo os nenúfares brancos brotarem nas margens dos trilhos, onde um espelho d'água reflete o futuro sem desvendá-lo.

Anseio novamente brindar a tudo e sem hora e nem pudor, mas com seu corpo entrelaçando o meu, como nos malabarismos dançantes do Cirque de Soleil.

Quem dera sua alma cigana e andarilha resolvesse deixar de ser nômade e dedilhasse um teclado manso, sob meu teto sedentário...