SALVADOR
DALI
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Hugo
Carvalho
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"Como
posso querer que meus amigos entendam
Fumando meu charuto, quero conceber, jorrando da boca de um vulcão, a lava se fazer mulher incandescente, de peitos nus, braços estendidos e mãos espalmadas para o céu tentando apoiar a lua; quero converter a areia da praia no meu leito, proteger meu livro com meu corpo e me cobrir com o diáfano manto das ondas desmaiadas. Ouvindo os Beatles, quero ver cavalos (des) feitos de neve galopando as encostas geladas do Himalaia e com elas se confundindo; quero, para mim, a luz da vela que, por ser eterna, nunca se apaga e faz de si brotar um vulto de mulher, em sua resplandecente chama. Fumando meu charuto, quero quixotescos moinhos de vento de pás transformadas em borboletas enormes, multicoloridas; quero ver o cabelo louro-fogo de uma mulher se liquefazer em transbordante cachoeira azul-gelo. Ouvindo os Beatles, imagino homens segurando uma grande rede circular, fluida e ondeada como as águas do mar, em prontidão para a vinda de um golfinho lá dos céus e desejo que, no mesmo mar, a crista das ondas se converta em mulher-espuma-branca, entrelaçada a um homem-rochedo-negro, se fazendo dois amantes. Fumando meu charuto, não quero ter medo de olhar o firmamento e ver furtivas mãos tentando abrir uma brecha entre as nuvens para lançar um olhar, curioso e impertinente, sobre as coisas que escondi, varrendo-as para debaixo do tapete de água na praia; quero imaginar o quanto restou da árvore cortada, a canoa e os remos na qual se converteu e enraizados nas curvas de nível da terra, por um homem nu remada, em direção ao nada. Ouvindo os Beatles, fechando os olhos, quero para mim a mulher que abraça, entre as pernas, o livro de contos eróticos do Marques de Sade e que dentro dele, quando aberto numa página qualquer, ela se transforma em borboleta, enquanto tento decifrar as acrobacias, opostas e simultâneas, de supersônicos no céu e de golfinhos no mar. Quase iguais, quase peixes, quase aviões. Fumando meu charuto, no escuro, tento entender o ovo que se parte ao meio e sua gema que se transforma em sol e claridade, para iluminar mil borboletas que borboleteiam nas velas de um barco sem timão. A mesma luz que é soprada de uma vela divina, protegida por mãos celestiais e que, formando um cone iluminado, mostra o caminho para o barco perdido em meio às ondas encapeladas da procela. Silêncio! Acendam as luzes! Desliguem os Beatles! Outro charuto, por favor. Quem me dera entender Dali. |