VERITAS, VERITATIS
Doca Ramos Mello
 
 

Queria muito ter vencido na vida, mas minha mãe não permitiu.

Um dia, eu disse a ela que meu destino eram as terras áridas e o ar seco do reino de Brasiliaris, onde se vive muitíssimo bem, todo mundo é honesto, honrado, feliz e progressista, aquilo lá é uma terra abençoada por todos os deuses, um maná de benesses, ali a vida são outros quinhentos mil dólares, como diria Marcus Valerius, o tribuno mais bem sucedido daquele planalto.

Há outros próceres a serem citados, como Delubius, O Grande, matemático, mecenas, homem capaz de cavar fortunas inomináveis apesar da cara apalermada, só com o tilintar dos incisivos centrais separados; ou Dirceus, O Guerrilheiro de Mil e Uma Faces, discípulo férreo de Infidelis, o ditador, Dirceus é pensador e criador da teoria pragmática 'Tudo O Que A Vista Não Alcança Também é Nosso', ou 'Ninguém Tasca, Eu Vi Primeiro"; Silvius Pereirae, codinome Silvinhus, O Landirrover, emérito facilitador de negócios naquela corte a troco de bigas importadas; ou Genuinus, O Inocente Legítimo; Duda Publicitarius, o inventor da fábula 'Lulalelé, paz, amor e metáforas medonhas', e por aí vai...

Minha mãe foi contra. Deu para fazer umas observações que nunca interessaram a ninguém, dessas que não fazem o indivíduo botar a mão num único dólar de mel coado, quem dera, oh, felicitas, felicitatis, amanhecer com os panus intimus sob a túnica recheados de verdinhas! Mamãe foi sempre contra as minhas idéias.

Primeiro, mandou-me estudar. Quis filho engenheiro, fluente em pelos menos três idiomas, vejam vocês o que faziam as mães no meu tempo. Sim, no meu tempo, porque se fosse hoje eu nunca perderia suor para aprender a desenhar nada além do meu nome, faria como um dos maiores presidentes que o parlamento do reino de Brasiliaris já teve, o filósofo Severinus Mensalinhus, tribuno rijo, cabra macho, de dormir solenemente nas tribunas e ler discursos gaguejando, além de posar para a posteridade ao lado de loiras exibidoras de túnicas insinuantes a escancarar lingeries. E eu não podia fazer a mesma coisa?!

Além disso, sou bonitão, hoje em dia basta ser belo para virar celebridade e ganhar rios de dinheiro e fama, bem poderia estampar o calendarius de Madame Luma, não seria necessário cursar MBA. Mas mamãe sempre teve outras idéias, nunca me apoiou quando eu, menino, disse que queria ser bombeiro...

Eu podia ter sido sindicalista, representante do proletariadus, salário gordo, vida boa, quem sabe até um dia subir ao trono, Brasiliaris não tem isso de família real não, o reino lá é de outra cepa, muito mais confortável. E não exige letra, preparo, caráter, nada. O rei pode falar besteira de penca, ser burro até a medula, tomar seus gorós à vontade, correr o mundo à custa do dinheiro do povo, é uma beleza! Ah, mamãe, que pena, seu filho poderia estar propagando altíssimas besteiras por aí, afinal a África, fique sabendo querida, é tão limpinha... E mãe, eu seria o campeão da aetica, já pensou nisso?!

Mas, não: cá estou eu, de curriculum sob as axilas, batendo sola de alpercatas atrás de um fariseu que me empregue, tenho de dar de comer aos filhos (sou um pater familiae), pagar os tributos que Brasiliaris manda cobrar do povo, o Estado bota mais lenha em cima e a polis cuida de extorquir mais um pouquinho, oh vita! Bem quis ter contraído núpcias como alguém como Mary Jane, a cortesã das surubas e bacanais brasilienses, afamada no coliseu do planalto, agenda cheia, tribunos à mão, mas mamãe...

Nem mesmo empresarius dos morros pude ser, como Phernandinhus Beira-Maris, ou Baenteviis, o amigo de craques da pelota como Julius Cesar, Romarius, e de bardos aplaudidos como Gabriellus Pensatorei... Ou alguém do gabarito de Marcollus, O Poderoso Chefão, capaz de comandar de seu cubicullum todo um exército de próceres, calando a polícia, os governos, o povo!

PQP, mãe, eu podia maluphare no planalto!