ACORDO DE DAMAS
Cármen Rocha
 
 

Ela era genial. Lava, passa, cozinha, dá banho nos cachorros, costura, faz as compras... Quer mais? Claro que tem mais, pinta o cabelo da madame e coça as suas costas. Perfeição estava ali. Não fala, não canta, só sorri. E muito mais. Reclamar? Nadinha, absolutamente. Faltava no serviço? Não, absolutamente. Ordenado? Pequenininho.

No dia do pagamento,se madame esquecesse, passava uma semana e com olhos humildes pedia: Será que a senhora poderia...

Ah! Esquecia de contar, depois de quase seis anos na casa, madame descobriu seu pequenino defeito, tal e qual seu ordenado. Pequenininho. Foi pega no flagra. Ela roubava dinheiro, e não era pouco, que no seu entender pequeno era um simples furto, quase nada, pequeno mesmo .Assim ela equilibrava seu modesto ordenado e a patroa nem se chateava. Quase desmoronei, pois na verdade, a madame era eu. Chorei enraivecida, e gritei quietamente no banheiro até quase derrubar suas paredes e depois de horas e horas de sofrimento, pior do que ser abandonada pelo amado, fui me acalmando, me acalmando.

Como perder tal preciosidade? Suspirei. Amanhã será outro dia e fui dormir chateadíssima, ensimesmada, perdida. Vira daqui. Vira dali. Santa noite, conselheira dos aflitos. Amanhecia. Respirei e fui enfrentar a genial. Recebi muito bem, coisa e tal. Não me referi ao flagra nem nada. Os dias se passaram. Ela, como um bebê inocente continuou seus dias iguais. No dia do pagamento tomei a palavra para resolver o nosso problema, e em tom cerimonioso:

—Olha, criatura, vamos fazer o seguinte – se você não me aprontar mais, nos meados do mês, quando o seu dinheiro já estiver curto, pagarei mais este tanto para você, mas nas seguintes condições, preste muito bem atenção, criatura, não faça o que você fez na semana passada. Ouviu bem? Não vai valer a pena para você. Aprontou, perdeu. Está bem? Meneou que sim, com a cabeça. O grande sorriso dela fechou o nosso acordo. Acordo de Damas.

 
 
fale com a autora