VAIDADE
Aline Carvalho
 
 

Primeiro são os cabelos. Um fio branco aqui, outro ali, nada que uma boa pinça não resolva. De repente, porém, um exército prateado, de fios grossos e revoltos, ataca impiedosamente e, se a pinça continuar a ser usada, a calvície será inevitável. Logo vem o corte. Cabelos curtos, que nos tornam uma espécie de menina-senhora ambígua e dissimulada. Aí começam as experiências científicas. Inicialmente, henna. Depois, tonalizante. Finalmente tinta, aquela que faz nossas cabeças, ao sol, parecerem garimpos, de tantos reflexos dourados e acobreados. Aquela que torna todas nós louras, a ponto de dizerem que não envelhecemos, enlourecemos.

O segundo choque, inesperado, é a pele. Já sabíamos que, ao rir (ou apenas sorrir) nossos olhos ficavam cercados de finas linhas que logo desapareciam. Mas não havíamos percebido, ainda, que as linhas finas já não eram tão tênues nem tão efêmeras. Um dia, vamos a uma loja e, na hora de provar um brinco e olhar nossa imagem, sob a luminosidade cruel e fria, notamos que o nosso pescoço... simplesmente desabou. Está flácido e sem flexibilidade, e aí, dá-lhe gola rolê! As mãos, papel de seda amassado, veias saltadas, manchas que o melhor protetor solar não conseguiu impedir. Em que espelho ficou perdida a minha face?

Os achaques. A coluna. Ficar em pé dói. Sentada, dói. Deitada, também. Lembrete permanente de que o homem não deveria ser bípede, nem abusar dessa condição por tanto tempo. A ciática. Os calores. A digestão - nada tão forte, nada tão tarde. Vasinhos insuspeitados explodindo em todos os lugares. Gengivas sofrendo pelo excesso de uso. O fôlego que acaba, o reflexo que falta, a memória que falha.

Mas... os cabelos tingem-se, a pele botoxa-se, as mãos disfarçam-se, os achaques ignoram-se. A visão, porém, é mais traidora. Na verdade, é uma tragédia grega em dois tempos.

Ato I - A negação: mesmo sem conseguir ler aquelas letrinhas e numerinhos, especialmente nos rótulos de remédios e alimentos, não se usam óculos. Chega-se ao extremo da humilhação, que é pedir a alguma mocinha em roupa de ginástica para ler a etiqueta de preço no supermercado. Os filhos, geralmente o mais novo, são os intérpretes desse mundo em que tudo é escrito de forma minúscula e obscura (... leia isso aqui para a mamãe...) . Ato II - A aceitação: já que vamos ter que usar óculos na ponta do nariz, que sejam com hastes de strass.

E assim seguimos, tentando ignorar que a natureza, apesar de toda nossa racionalidade, está sempre nos levando para aquele momento em que deveríamos virar almoço do tigre-de-bengala mais próximo (seja por não conseguir correr dele, ou por não enxergá-lo).

Quem me dera que o ser humano não tivesse prazo de validade!