SUSTO
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Luís
Augusto Marcelino
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- Como foi o futebol, criança? A criança, no caso, era Paulo Henrique, um rapazote de dezessete anos, alto, musculoso, boa-pinta. Orgulho do pai, o Mendes, que alardeava que o primogênito seria o próximo quarto-zagueiro da seleção canarinho. - Não fui ao treino hoje, pai - respondeu a criança. Mendes se calou. Continuou a ler o jornal (nem tentou disfarçar, paginando a parte de classificados predominantemente povoada de "Aline topa tudo" e "Japa fogosa". Não gostava de se intrometer na vida do filho. Achava que "assim como ele" o mundo haveria de ensiar a Paulo Henrique as artimanhas da vida. Contudo, não deixou de reparar a mão direita enfaixada. - Machucou? - É. - Por isso não foi ao treino, né? - Não. Não foi por isso. (Silêncio.) - Pai... Mendes fechou o jornal. Não se lembrava da última vez em que o rebento usara aquele tom suspeito, como quem tinha algo importante a revelar. Na verdade, conversavam pouco. Bem pouco. Mendes apenas cutucava o filho quando passava uma boazuda em frente a eles. E dizia: "olha lá, olha lá!..." Paulo Henrique soltava um riso amarelado e passava a mão no ombro - local onde, invariavelmente, o pai lhe dava o cutucão. - Fala, potro! - disse o Mendes, enquanto dobrava a Folha de S. Paulo. Paulo Henrique soltou um longo suspiro. Passou os dedos longos por entre os cabelos embebecidos de gel. Sentou-se no sofá. Perguntou se o pai queria cerveja. "Tá, vou buscar." Trouxe duas latas. Mendes estranhou, mas não interferiu. Apenas testemunhou, calado, o filho abrir aquela que supunha ser a primeira lata de cerveja de seu garoto. Motivo de orgulho para o Mendes. - Não quero mais jogar futebol, velho. - Como assim? - Assim, assim, pai - deu uma golada e fez cara feia. Pra dizer a verdade, há mais de três meses que não vou ao treino. Calma, não torrei a grana da mensalidade! Tó, tá tudo aqui! Foi a mãe que pagou minha outra atividade. A situação era mais séria do que imaginava o Mendes. Provavelmente Paulo Henrique estava apaixonado. Sim, era isso! Vera Lúcia, uma loirinha de olhos verdes e lábios carnudos, que tinha o dom de parar (literalmente) as conversas dos meninos quando passava, exuberante, pelo pátio do colégio. Na ocasião, pediu para o treinador mudar sua posição. De atacante, virou goleiro. Sim, só podia ser paixão o que o Paulão estava sentindo. - Estou fazendo teatro, pai! - soltou o menino. Vou buscar outra cerva. Mendes ficou estarrecido. Pensou que, talvez, fosse uma dessas pegadinhas de TV. Havia uma distância enorme entre o que ele previra para o futuro de seu filho e o que o menino relatara há pouco. "Ator?" - De repente você pode conciliar as duas coisas, Paulão! - Não me chame de Paulão, pai! É deselegante. - Deselegante? - Pai, o mundo se transforma. - De boleiro em ator? - Diretor, pai. Quero ser diretor de teatro! - Fodeu... Deu um branco no Mendes. Colocou a mão no peito, ameaçou enfartar. "Pai, pai!..." - tentou socorrer o moleque. Mendes sempre ouvira falar que teatro era um antro de bichas. Pediu água. gritou com o filho que aquilo era inadmissível, que o seu avô devia estar se remexendo no caixão e etecetera e tal. - Pai, pai! Respira, pai! - Você quer me matar, moleque! - Não é nada disso! - É sim, é sim... teatro? - A Rebeca é a atriz principal. - Rebeca? Aquela moreninha amiga da sua irmão? - É, pai. Ela mesma. - Traz mais uma cerveja. |