O
ESPELHO
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Kátia
Rodrigues
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Um copo de uísque na mão, o barulho do gelo tilinta enquanto ando. Fecho a porta e, no espelho atrás, o corpo nu emoldurado não mostra quem realmente sou. Fim de noite de domingo, a cabeça fervilha e a segunda promete ser longa. Dedos afagam os cabelos, juntando-os no alto, olhos descem pelo espelho, até chegar ao chão e viro-me de lado para tentar enxergar quem pareço. Não me vejo no passado, nem projetada num futuro outro, que não eu mesma. Sou essa figura que me olha e mesmo assim não saberia dizer quando estarei pronta para dizer-me. Os últimos tempos foram de mudanças, transformações. Com cuidado busco nas marcas do rosto algo que me conte sobre elas. Olhar atento, sem óculos, não vê realmente o que aconteceu nos últimos tempos. Será que os olhos nos mostram a verdade? Sobre a cama a roupa que visto rápido, o corpo ainda morno depois de um mergulho da alma, na espuma quente, no silêncio da casa, de portas fechadas e paredes vazias. Como num sonho tenho o espaço do meu eu, a possibilidade de ser quem quer eu queira, a almejada liberdade de ir vir, fazer e acontecer. Diria que a faca e o queijo estão ali, disponíveis. Mas e aí? A roupa vermelha escorrega pelo corpo. O copo novamente volta às mãos, que juntas entrelaçadas selam ali um brinde.
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