VELHAS
HISTÓRIAS
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José
Luís Nóbrega
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Nasceu mirradinho, como se dizia naquela época. Pouco peso, corpinho pequeno, e muito, muito choro. Mamava como um bezerro. Sugava os seios da fraca mãe como se quisesse sorvê-la para dentro daquele magro corpinho. Para acalmá-lo, ela contava histórias antigas, enquanto prendia o pequenino filho ao peito, que mesmo sem compreender nada daquele blablablá, acalmava-se com a afetuosa voz materna. Acordava aos berros pelas madrugadas, sentindo frias as fraldas molhadas, as quais eram com presteza trocadas pela sonolenta mãe. Cresceu assim, mamando na mamadeira até não mais caber no berço, ouvindo histórias sem fim contadas todas as noites pela genitora, para que o filho dormisse o sonho dos anjos. A cama molhada todas as noites era motivo de chacota entre os colegas da escola, já que pelas manhãs seu colchão descansava encostado no muro, secando ao sol, denunciando as incontinências do dono na noite anterior. Na adolescência já não mais mamava, nem molhava a cama nas noites de pesadelo, no entanto, ao chegar da escola, sua mãe o aguardava com um copo de leite bem quente. Ouvia da velha as mesmas velhas histórias do tio que enlouquecera, do safado do pai que partira quando ele ainda molhava as fraldas no berço que um dia pertencera ao primo, que morreu quando ainda no mesmo berço dormia... Escutava calado, soprando o leite, pensamento a vagar pelas surradas histórias há anos repetidas pela mãe, que parecia necessitar delas para viver. Saiu de casa ainda jovem. Não suportava mais a presença da mãe protetora sempre a esperá-lo com leite fervendo e velhas histórias frias. Casou-se, teve filhos, a mãe enlouqueceu assim como o seu irmão. Esquecida num quarto de asilo, todos, desde os internos até as enfermeiras já sabem de suas histórias. Ela as remói dia após dia. Boca murcha a descrever personagens esquecidos no tempo. O filho quase não a visita. Alega à mulher e aos filhos que sua presença será pior para a mãe doente, que se perderá ainda mais em lembranças. Mas na verdade ele não suporta o cheiro do leito da velha, sempre molhado, aquele odor que o faz lembrar de um tempo onde era motivo de chacota entre seus colegas de escola, e o seu colchão descansava num muro, secando ao sol, denunciando as incontinências do dono na noite anterior... |