ICARIA
Gustavo Colombini
 
 

Debato-me sem resultados. Enlouqueço enquanto tento descobrir o que há de verdade comigo. Não consigo respirar e essa voz que não vem de direção alguma, dá-me forças para continuar de olhos abertos. Renasço sob água. Nem sequer possuo distinção ou aprendizado. Se ainda os possuo, não os encontro mais em minha cabeça. Só sei, inconscientemente, que devo procurar por oxigênio. Assim como sinto a certeza de que preciso sair daqui, junto a esse medo que disputa comigo o ar restante em meus pulmões. Olho ao redor e tudo é líquido. Focalizo por instantes minha mão: minhas falanges franzidas denotavam meu cansaço. Talvez estivesse ali mais tempo do que imaginava. E sinto agora, mais do que nunca, a pressão de meus ouvidos. Ninguém nunca entenderia essa pressão esmagadora que apressa a vontade de fuga.

Não vejo matizes. Aos trezentos e sessenta graus que consigo lançar meu olhar, só enxergo uma única e anônima tonalidade de azul-escuro, que não me dá certeza alguma de perspectivas ou profundidade.

As borbulhas lançadas por minhas narinas eram mais freqüentes. Tento impulsos invisíveis na água. Arremesso minhas mãos em movimentos desesperadores. Agito meu corpo em possíveis ondas, que permanece inflexível. Se houvera alguma movimentação de meu corpo debatido fora perfeitamente invariável à sensação de imobilidade que alarmava minhas células cerebrais. Tentei mais um agitamento de meus membros inferiores. Mas o índigo constante dominava meu campo ocular.

Desisti do movimento de meus braços. O ar não mais existia em meus brônquios escassos. Permaneci imóvel como um corpo fenecido contraído que flutuava na água a favor das breves ondas que colidiam em sua superfície corporal. Concentrei-me na força que pressionava meu tórax. Ainda estava em mim quando pensei em nós.

Talvez se tudo isso não estivesse entre a gente e se minhas asas sobrevivessem à calidez das altitudes aéreas, nossa distância não seria tão grande. Desculpe-me.