NUMA TARDE DE OUTONO
Edson Campolina
 
 

A melancolia do fim de tarde o trancava em casa ou onde estivesse. Ou era dia ou era noite, não gostava daquele meio termo, por isto sempre o evitou, esgueirava-se das janelas e da rua ao entardecer.

Mas naquela tarde dominical distraiu-se nas páginas do livro perdendo a noção das horas. Uma música o despertou e o prendeu na cadeira da varanda, os acordes faziam eco aos pássaros numa melodia que lembrava uma celebração da vida. Fechou o livro, recostou a cabeça, fechou os olhos e deixou-se levar por uma energia que lhe arrepiava vagarosamente dos pés até o peito.

Finda a música, abriu os olhos e espantou-se com o céu branco. Pensou que talvez fosse aquela brancura a razão de dedicar aquele instante à hora do anjo. Os garranchos dos galhos das árvores rabiscavam de verde aquele papel celeste. Por um instante quis, com a angústia de uma perda apertando-lhe o coração, gravar na memória dos olhos a fotografia, mas lembrou que a cada ano o outono lhe presenteara com aquela luz em todo final de tarde.

Regozijou o momento ouvindo outra canção que falava do amor e do sertão. Pensou o que seria de sua vida não fossem suas saudades, as distâncias dos lugares vividos, das pessoas que preencheram sua vida. Seu amor era assim alimentado, pela ausência e pela distância. Não o amor de mulher, mas o amor pela vida, por si. Amigos, ruas, casas, praças, chafarizes, árvores, campos, estradas. Talvez nunca mais vistos, sabores e odores nunca mais degustados senão na lembrança.

Tudo passaria então a ter uma importância diferente em seu dia. As despedidas tornar-se-iam agradecimentos, com a certeza de que uma riqueza seria ali encontrada e se juntaria a tantas outras no baú de seu viver, a única fortuna que carregaria consigo para o além vida. A saudade tornar-se-ia no remexer no baú, e a dor da saudade então seria prazerosa.

Sentiu-se uma pessoa verdadeira, convivida, viva, quase preparada para o fim de sua jornada. Fosse aquela a sua hora, partiria saciado com seu aprendizado, feliz por ter tido amigos, passageiros ou permanentes.

Viu o branco pintar-se de um azul escuro, o azul pintar-se de negro e as estrelas surgirem furtivas. A brisa fria do outono soprou em seu rosto. Não queria entrar em casa e abandonar aquela integração com os céus, com sua própria vida. E pensou de quantos entardeceres de céu branco manteve-se distante, fugidio. Sentiu-se realmente maduro. Maduro como os dias em seus entardeceres, saciados de encontros e despedidas, de lugares, pessoas e movimentos. Um dia a mais vivido e que se tornaria distante como os outros, mas com lugar certo em seu baú.

Então se preparou para o dia seguinte, ansioso por um novo entardecer.