ACÁCIO
Aline Carvalho
 
 

Já formado e pai, trouxe para as crianças, do laboratório da Faculdade de Medicina, um ratinho branco. Orelhas de papel de seda, com vasinhos finos cruzando o pouco espaço, o bichinho ainda não tinha sido inoculado por nenhum dos venenos que, depois, nos impedem de morrer.

Ao contrário de Acácio. Acácio foi trazido para a namorada, quando ainda era estudante. Era um pinto. Digo pinto, e não pintinho, porque Acácio nunca teve a beleza carente de seus irmãos de raça, aqueles que as mães compram e que parecem brinquedos vivos, aqueles que dá vontade de abraçar mesmo quando passam a noite inteira piando dentro de uma caixa que a criançada forrou com flanelas e aqueceu com a lâmpada do abajur.

Não. Acácio era um pinto, sem diminutivo, desde que conseguiu sair do ovo. Não piava desesperadamente. Não parecia uma bolinha de penas amarelas, embora essa fosse sua cor, mesmo que um pouco suspeita. Andava vagaroso e altivo enquanto outros de sua espécie e idade pareciam desorientados com o mundo cruel que os fizera sair de perto do calor da mãe (?) galinha.

Fazia jus ao nome de conselheiro português. Desfilava pela cozinha lentamente, dando o ar de sua graça e ocasionalmente sua atenção a alguma migalha caída. Só que Acácio começou a crescer.

E o pior... a pata esquerda de Acácio começou também a crescer, de maneira desproporcional ao corpo e muito mais que a pata direita. E aquele semi-frango continuou a andar pela cozinha, de preferência atrás da dona da casa, com a mesma dignidade de sempre, mas a arrastar a pata monstruosa atrás de si, um Quasímodo galináceo que espantava a todos e que achava certo ser daquele jeito.

A deformidade levou a família, embora pesarosa, a temer que, o que quer que tivesse feito a pata do pinto crescer daquela maneira, poderia também contaminar os da casa. Então, após inúmeras reuniões deliberativas, decidiu-se que o pai daria cabo do pinto.

E assim foi feito. Acácio terminou seus dias dentro de um saco de pano, jogado de uma ponte do Rio Arrudas, sem nunca saber da distância enorme que existe entre ser pinto e ser humano.