O AZUL DO CÉU
Zeca São Bernardo
 

Era simples, muito simples....bastavam apenas uns poucos passos em direção á porta. Na única direção que ainda era- lhe possível seguir! Assim sairia da gaiola, abandonaria a segurança de seu próprio mundo. O único que conheceu.

Lá fora, as possibilidades quase que infinitas. Á suas costas o nada ou melhor, o de sempre: o vazio por entre as grades mostrando- lhe o redor. Vez ou outra algumas sombras velhas conhecidas projetavam- se no chão em certas horas do dia. Algumas vozes iam e viam pelo corredor acompanhadas de alguns passos igualmente familiares.

Era simples, muito simples! Bastavam alguns poucos passos em direção á porta e estaria livre...poderia abrir as asas e voar. E lá, do alto, veria a vida com outros olhos- talvez pela primeira vez com os seus- sentiria o vento tocando suavemente em cada parte de seu corpo e deixaria- se conduzir- se por ele sem rumo certo. Sentiria novos aromas, descobria novas cores e formas, faria amigos, aprenderia a língua dos homens e pediria- lhes para que deixassem seus irmãos papagaios em paz e em casa. Fosse isso onde fosse, pois não tinha lembrança nenhuma do ninho, dos irmãos, dos pais.

Era simples muito simples...bastavam uns poucos passos em direção á porta. Na única direção que ainda era- lhe possível seguir e, assim, sairia da gaiola. Abandonaria a segurança de seu próprio mundo, o único que conheceu. Deixaria de ser outro bibelô na casa de alguém e seria livre!

Poderia adaptar- se a nova situação após a morte do dono? Teria consciência que outra opção não tinha? Uma vez que ninguém mais o queria...o azul do céu o aguardava! Sonhara com ele durante anos, quase décadas somadas e agora não tinha forças para deixar a gaiola dourada. Acostumara- se de tal forma ao cativeiro que não sabia ao certo se suas asas foram realmente cortadas nas pontas ou se tudo não passara de um sonho ruim, um pesadelo.

Era simples, muito simples...bastava um idiota qualquer ter posto a mão na maldita consciência, não tê- lo raptado e deixando a natureza seguir seu rumo. Agora quem daria- lhe a segurança de pelo menos um vôo?