Dum, dum, dum... Dum,dum,dum... Fazia a AR-15. Estava acostumado, mas não deixava de ficar apreensivo. Uns amigos já tinham morrido por bala perdida. A guerra tinha começado. Os policiais, todos de preto e com gorros, subiam as vielas do morro. Os mensageiros do tráfico passavam zunindo por ele. Conheciam cada centímetro de terra, cada mililitro de esgoto a céu aberto e cada pulga de cachorro sem dono daquele pedaço de terreno em declive.

Dum, dum, dum... Dum,dum,dum... Apressou o passo. O negócio parecia piorar. Virou à direita em velocidade, mas foi obrigado a brecar. Um cano preto estava apontado em sua direção. Empalideceu. Mais tiros. Pensou que tinha morrido. Mas logo concluiu que, se estava pensando, é porque ainda permanecia vivo.

- Parado! Mãos na cabeça. Por que tá fugindo?

Tentou explicar que não estava em fuga porque devia, mas por medo das balas que traçavam o caminho dos moradores da favela.

- Não tem caô, ô, malandro. Levem esse sujeito e mandem aquele papo reto. O cara vai falar.

Ele ficou com medo e chateado. Medo, porque conhecia a fama dos policiais; chateado, porque estava atrasado para o encontro com a namorada do asfalto.

Desceram com ele. Os tapões no pescoço não doíam, humilhavam. Ao pé do morro, os abutres disparavam os flashes. Não queriam saber. Ele, que descia apressado para um encontro amoroso, tinha virado bandido em segundos.

Na delegacia, passou por interrogatório e pressão psicológica. Não pôde nem dar aquela ligação que tinha direito, como via nos filmes. Só poderia falar com a namorada quando o mal-entendido fosse desfeito.

Enfim, liberado: sem celular, humilhado, com o pescoço avermelhado dos tabefes e atrasado em mais de duas horas ao encontro.

Na casa dela, a recepção foi tensa. Ela exigia explicações. Ele, cansado, tentou esclarecer. Embora parecesse coisa de novela, ela, aos poucos, acreditou. Mas, como as mulheres costumam fazer depois das discussões com os parceiros, confessou:

- Desculpe, meu amor. É que eu te amo muito, e essa demora... Pensei que você estava com outra. Você sabe como sou insegura.