JÚLIO
CÉSAR
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Marcus
Martins
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Todo grande escritor, pelo menos uma vez em sua vida, há de citar em uma história algo que remeta a transporte coletivo, seja ele trem, ônibus, bonde, avião ou qualquer outra coisa, foi assim com Machado de Assis, Stanislaw Ponte Preta, Frederick Forsyth e tantos outros, não sou nenhum grande escritor e nem tenho a pretensão de o ser. Fama é para os desprovidos. Existem certas coisas que fascinaram o homem há muitos anos, no entanto continuam fascinando e até mesmo assombrando alguns, isso acontece com todos, pelo menos uma vez na vida. Lembra-se da primeira vez que viu um ônibus e ficou impressionado com o tamanho daquele amontoado de aço e gente? E a primeira vez que você andou no banco mais alto? Ou em um avião? Onde você fechou os olhos e torceu para que aquelas benditas medidas de segurança, fossem só medidas... Todos passaram por isso, é a vida. A dor-de-cotovelo, a primeira decepção amorosa, assim como, o fascínio pelos meios de transporte, são partes que deixam a vida mais interessante. Mas deixemos as experiências de lado. Elas são boas para serem discutidas no cara-a-cara. A vida sempre foi algo que nos incitou a liberdade, viemos de dentro para fora, parece pleonasmo, mas é a realidade, por isso as máquinas de locomoção nos impressionam, mas existe algo que sempre me incitou muito mais a liberdade, a vontade de sair de casa. Pode parecer tolo, mas sempre foi assim, sempre fui movido por alguma força (se que elas existem), que me empurrava para fora. Acho que as pernas vieram antes do cérebro, saia e depois descobria até onde havia ido, as pequenas pernas andavam freneticamente em um ritmo alucinante, conheceram a rua, depois o bairro, gostariam de conhecer a cidade, porém não podiam eram curtas por demais. Cresceram e junto com elas, vieram às bicicletas, ágeis, sempre com algum problema, rodavam a rua, o bairro e por fim a cidade. Ainda era pouco faltavam às cidades vizinhas, veio, portanto, o desenvolvimento uma "mountain bike" resolvera os problemas e rapidamente se embrenhar por entre árvores e terra, até chegar a pequena cidade incrustada no meio do nada se tornou diversão. A idade madura chegava e algo faltava, algo de grande proporção, que marcasse, que definitivamente me marcasse, isso estava próximo de se realizar. Faltava conquistar a grande metrópole, local aonde as coisas acontecem, fazem e são. E seu nome carregava essa ultima qualidade "São Paulo", ainda sobrava um local e era para ele que me encaminhava, enquanto formulava esse texto. Tudo, até aquele momento parecia ser grande, nada parecia me atingir, nem hora, lugar, ou transporte, para minha mente nada restava, pois já conhecia várias pequenas cidades, e não me assustaria... E engraçado, mas a vida parece ser feita de doces enganos, pensamos com convicção que nossa próxima empreitada será facilmente superada, mas depois nos restam, apenas os "se eu tivesse falado", "e se eu não tivesse feito aquilo" e quase que instantaneamente meu corpo e mente se deparam com uma imensidão de cabos e lata que andava rapidamente sobre trilhos e ferozmente devorava os metros. Era o começo da saga, um misto de medo, insegurança, parece irreal, queria minha mãe, para pegar sua mão e pedir ajuda. Sentia uma insegurança quase intensa, minha cabeça formulava mil maneiras de fugir dali de chegar logo, te tentar desvencilhar de tudo e poder tomar a metrópole, foi assim com a rua, com o bairro, com a cidade, com as cidades vizinhas, não seria diferente com São Paulo. A viagem era o que eu temia, aquelas pessoas quase sem expressão, que iam sendo levadas por seus corpos para o interior do trem me assustavam, a frieza, a falta de alguma coisa motivava aquilo, aos poucos fui tomado e já olhava ao longe quando finalmente me vi sendo levado para dentro, me sentia inseguro por tudo que ia acontecer antes que me projetasse por completo para dentro do trem, pude ver a cidade, as pessoas e me senti bem por isso, pensava na minha jovem cabeça "e pensar que eu já dominei tudo isso". A viagem seguia tranqüilo, o silêncio, assim como na guerra, era velado, apenas alguns sussurros eram ouvidos, pertinente a algumas poucas pessoas. Tudo corria bem, o silêncio, o sussurro, o som dos motores como pano de fundo, os olhares desconfiados. No entanto para nós humanos nada pode estar perfeito, sempre estamos a um passo da perfeição, as vozes invadiram o vagão do inicio ao fim... - Palavras, palavras...palavras "olha" o caça-palavras, palavras, palavras quem vai querer o caça-palavras!!! Logo atrás, mais vozes: - Chiclete, balas, balas, chiclete...quem vai querer...chiclete, balas, balas, chiclete!!! Depois com o tempo descobri que aquilo é comum, ambulantes no trem eram mais normal do que eu pensava. As vozes iam tomando estridencia, volume e amplitude, iam chegando mais perto e mais e mais perto. Naquela manhã fria, a primeira decepção com a metrópole, dois garotos de roupas rasgadas, até certo ponto leves demais para a temperatura lá de fora, iam e viam através dos vagões, com a voz tentavam garantir algo. Nesse instante algo mágico aconteceu, as cabeças reclusas, abaixadas, levantavam-se uma a uma e viam a derrota, os garotos não tinham mais que dez anos, eu com meus dezessete anos, acreditava que era o fim, o ponto máximo da burrice humana, meu sonho de dominação, minha viagem, minha superação haviam sido trocadas por um sentimento de piedade, a insegurança se fora e deu espaço a certeza. Os olhares se concentraram nos garotos, o ruído cessou, as conversas terminaram, o ruído do motor se transformou em um barulho estridente de aço se chocando com aço. A cena não durou mais que um minuto os garotos foram e voltaram... - Palavras, palavras...palavras "olha" o caça-palavras, palavras, palavras quem vai querer o caça-palavras!!! Logo atrás, mais vozes: - Chiclete, balas, balas, chiclete...quem vai querer...chiclete, balas, balas, chiclete!!! Os olhares acompanharam a toda seqüência, os ruídos voltaram, as cabeças se abaixaram, o motor rugiu novamente. Mas por um único momento todos foram aqueles garotos, os anseios, preocupações, dúvidas foram substituídos por lembranças de quando éramos crianças. Eles foram e voltaram, foram e voltaram novamente e a cada momento uma lembrança, boa, má, todas lembranças em cada cabeça, isso era notável. E eu na minha posição de imperador me lembrei de quando tinha dez anos e finalmente dominei o bairro, luta brava, com muito sangue perdido, entre os muros que tive que saltar, as cercas que tive de passar e etc. e vi aqueles garotos donos de si, haviam na mesma idade dominado a metrópole, coisa que consegui apenas com dezessete anos. Minha insegurança fora dominada, meu medo de dominar São Paulo também e quando finalmente cheguei ao meu destino, a Av. Paulista, notei que todos que estavam ali, haviam também pensado igual a mim, sentido as mesmas coisas, de formas diferentes, mas na mesma essência e aquilo me confortou...e me fez continuar seguindo, olhando cada vez mais alto para os prédios....nunca poderei dominar a metrópole, pois ela pertence a esses garotos que vivem na insegurança de saber se acordarão no próximo dia... |