ILUSÕES
Hugo Carvalho
 
 

Vendo ilusões.

Ilusões que se esvaecem em espirais à medida que são consumidas, mas que asseguram a paz tranqüilizadora de corações sem rancores. Mais ainda. Garantem o sossego cordial de quem viu invernos tropicais, viveu verões meridionais e atravessou suas tempestades.

Asseguram a paz de não ter que se preocupar com um carro estranho e muito próximo, num cair de noite. Garantem o sossego de poder aproveitar, gostosamente, os instantes das paradas obrigatórias ao sinal vermelho dos semáforos.

Asseguram a despreocupada paz das ruas desertas, percorridas a pé, altas horas da madrugada. Momentos ideais para as ilusões que se desvanecem em fumaça. Garantem o sossego prazeroso das casas antigas, debruçadas sobre as calçadas, com suas portas e janelas sempre abertas para o mundo.

Asseguram a paz do poder socorrer um corpo estendido no chão, sem o desassossego de se pensar que nele, possam estar ocultos, impensáveis propósitos.

Vendo ilusões.

Ilusões que, enquanto fumegam, permitem entender as razões incompreensíveis das grades de presídios estarem em nossas casas. Das cercas eletrificadas para gentes quando, a rigor, foram pensadas para confinar animais, em pastos. Dos mil vigias, vigiando-se uns aos outros. Das senhas e das contra senhas. Das íris e das digitais.

Vendo ilusões.

Ilusões que dissipam nossas cotidianas aflições. Aflições por não podermos abrir anexos de e-mails, sob risco de danificar nossos computadores. Por não podermos, tranqüilamente, parar o carro à porta da garagem e ir abri-la sem sustos e sem temores.

Vendo charutos.

Vendo ilusões.