CICATRIZ
Francine Ramos
 
 

A cicatriz ainda dói, principalmente no inverno que minha pele fica mais seca. Evito contato direto com as pessoas que conheço. Coloco o cabelo ao lado, tento não olhar fixamente, porque, apesar do tempo que passou, não consigo me acostumar com ela.

Quantas vezes olho no espelho e me assusto com a marca em meu rosto? Nos meus sonhos ela não aparece. E apesar da minha força, não vou conseguir me recuperar totalmente. Semana passada conheci o Doutor Carlos Pontes. Foi uma situação de extremo mau gosto. Ele quis tocar minha cicatriz, me disse coisas tolas, querendo me convencer a uma operação no hospital dele. Hesitei, hesitarei até o fim, não é isto o meu maior problema.

É preciso a compreensão de que existem mulheres que não precisam da imagem para se recompor totalmente. Essas coisas me irritam, fazem doer ainda mais a cicatriz. São nessas horas que tenho vontade de fazer bobagens que não ouso botar aqui na carta. Talvez uma plástica resolvesse quarenta por cento dos meus problemas, mas os outros sessenta é a cicatriz que tenho na alma.

Não considere essas minhas palavras algum tipo de revolta a você, muito pelo contrário. É você que me acalenta nas noites frias, são suas roupas, ainda guardadas ao lado das minhas, que me fazem acreditar que um dia você poderá voltar para casa. Ah! Sobre a casa! Semana passada chamei um eletricista para, finalmente, concertar as lâmpadas do quintal. Queria que você visse os olhos de Bia de tanta felicidade brincando com o Fred com o quintal todo iluminado! E eu aproveitei para fazer um churrasco. Apenas Bia, eu e nosso cãozinho tão querido. Fui feliz naqueles momentos! Como fui feliz! E são esses segundos de paz na alma que compreendo melhor toda a nossa vida. E você? Lembra do sabor do meu tempero? Lembra do gosto da minha carne?