TURN ON
Eduardo Prearo
 

Manhã quente em São Paulo, uns 27ºC no mínimo; Péricles despertou com o barulho de uma sirene. Morar em uma hospedagem não lhe parecia muito agradável, mas por ora, se era que conseguiria algo melhor, estava bom. Até os 36, diziam-lhe que aparentava bem menos que sua idade; agora, aos 40, segundo algumas boas línguas, envelhecera uns vinte e cinco anos; portanto, davam-lhe de 50 à 65. Mas Péricles não se achava velho por mais que batessem nessa tecla. Naquela manhã quente, resolveu passar em um sacolão para comprar duas bananas. Depois de pegá-las e pô-las em um saquinho plástico, foi para a fila e na sua frente estava uma senhora que exalava moralidade, que o encarava enquanto procurava dinheiro na bolsa. Claro que Péricles sentiu-se um assaltador, um suspeitíssimo; porém, creio que alguém que vá comprar duas bananas não seja necessariamente um ser de má índole, um vagabundo. Bom, após a cena genial da menina octagenária, Péricles surtou bobamente, proferindo pelo ar palavras agressivas, mas sem nenhum sucesso (ele sabia que não atingia sequer uma formiga). O fim dele era óbvio para muitos: saúde partindo, população desconhecida e inocente cada vez mais perfeita e perseguidora. Se Deus não intervinha, era merecimento. De tarde, Péricles lembrou-se de que perdera o trabalho informal e os amigos. Se ao menos fosse sarado, tiraria alguma grana como prostituto, com faz muito homem esperto ou a gente famigerada da tv. As academias estavam caras, a andropausa evidente e o cialis fora de cogitação. A noite veio brava e já na hospedagem-convento, Péricles deu uma olhada em um jornal: haveria uma festa interessante, lançamento de perfume importado, coisa chique, ali na Augusta. Vestiu, então, o único terno que tinha, e foi incorporando um escritor pouco medíocre enquanto fumava um cigarro. Porém, foi barrado na entrado do evento,não tinha nome na lista e estava morto ( imagine se malandro vai ter nome em lista! ). De qualquer forma, Péricles insistiu, de forma a causar certa piedade, e entrou, bebendo logo muito chandon, ficando a observar em um canto as pessoas ricas e famosas. O cheiro do perfume não o agradou, mas o infeliz saiu da festa satisfeito. Houve até uma mulher que se aproximou dele para conversar...

--- O que você faz?

--- Escrevo. Mas só diria o resto se você pagasse uma conta minha.

--- Escreve o quê?

--- Umas bobagens aí, e você?

--- Trabalho em um programa de tv.

--- Ah, já sei, é humorista!

--- Não, não, sou conselheira de moda, com licença, sim!

Lhe pareceu legal caminhar pelas ruas embriagado, meio que ferocíssimo. Chegando à hospedagem, Péricles tiraria a barbicha e o cavanhaque. Pena que o bigode, descendo pelas laterais da boca, seguia na tranversal. As blitze obviamente se repetiriam. Périles caía cada vez mais, como que empurrado, em um poço sem fundo, o poço de um submundo sem volta, cheio de caveiras impingindo-o a ter mais e mais culpa, mais e mais medo...Mas como, como Péricles daria a volta por cima?