COMUM
Alexandre Fernandes Heredia

- E aí?

- E aí o quê?

- O que você achou?

- Não gostei.

- Não gostou? Mas não gostou do que?

- De nada. Achei ruim, só isso.

- Não, assim não. Tem que ser mais específico. Do que você não gostou?

- Hum, sei lá. Foi competente, coisa e tal, mas não sei. Não bateu. Foi...

- Fraco? Insatisfatório? Esquecível?

- ... comum.

- Comum? Não, não pode ser. Comum é ruim. Comum é o pior adjetivo. Tudo, menos comum.

- Quer que eu minta?

- Não, é claro que não. Mas comum é muito pouco. Comum? E eu tentei tanto inovar. Sabe, o lance dos palavrões...

- Não inovou. Alías você disse "merda" umas vinte vezes. Sei lá, ficou repetitivo. E de onde você tirou que falar "merda" é erótico?

- Mas não é minha praia. Sempre fui mais recatado, mais sutil. Tentei uma coisa nova. Audaciosa.

- Pois é, não rolou. Soou meio falso. E você sabe, falsidade nessa hora é meio broxante...

- Broxante é essa conversa! Pô, eu me empenhei tanto! E eu achando que estava arrebentando, que você ia adorar! Me preparei, sabia? Estudei, li pra caramba a respeito. Deu o maior trabalhão. E você vem e diz que foi "comum"? Porra, comum é foda. Comum é o fundo do poço.

- Você pediu sinceridade. E, sinceramente, acho que você consegue muito mais do que isso. Sei lá, tem potencial, mas ainda não chegou lá. Talvez falte um pouco de treino...

- Treino? Mas eu treino sempre! Todo dia! Às vezes passo a noite em claro. Estou com as mãos doendo de tanto treinar! Isso é frustrante! E se...

- O que foi?

- Esquece.

- Não, agora conta.

- E se eu alcancei meu máximo? E se isso foi tudo o que eu posso fazer? E se meu destino é ser mediano, razoável? Puta merda, e se eu nasci para ser medíocre?

- Não vem com essa. Você não acredita nessa bobagem de destino.

- Não acredito. Mas acho que todo mundo tem um limite. Me esforcei pra caramba pra chegar nesse seu "comum". E se eu nunca conseguir passar disso? É algo horrível de se imaginar. Ser comum, ser mais um na multidão. Uma criaturinha prosaica e desprovida de diferenciais. Um clichê ambulante, um arroz com feijão de um PF de boteco. "Aqui jaz mais um João Ninguém"...

- Pára de drama. Você sabe que não gosto quando você fala assim.

- Isso é culpa sua! Você e esse seu espírito crítico. Nada do que eu faço te agrada. Nada é o suficiente! Aposto que tem gente por aí que me idolatraria por algo que você considera só... "comum"! É por sua causa que eu também nunca fico satisfeito. É por sua causa que eu sempre falho. Nunca vou atender suas expectativas, não é? Caramba, como eu odeio você quando faz isso! Você deveria estar do meu lado...

- E eu estou. E por saber que você pode muito mais do que isso é que te critico desse jeito. Se eu um dia descobrir que você chegou no seu limite, pode deixar que vou dizer. Mas você ainda não chegou lá. Esfria essa cabeça e acende um cigarro...

- Tá.

- Isso. Relaxa. Vamos parar com essa discussão?

- Não.

- Não?

- Não. Agora você me deixou encucado. Preciso resolver isso, ou não vou ter mais paz de espírito.

- Saco...

- Não reclama, que é sua culpa. Agora vou ficar cismado o resto da noite. Não vou conseguir fazer mais nada.

- Tá bom. Então faz o seguinte: pára de reclamar consigo mesmo no espelho e vai reescrever essa porcaria de uma vez. Do começo. Depois que terminar a gente conversa de novo.

- Ei, porcaria não!

- Porcaria sim!