VAMPIRO
William Stutz
 
 

Sentia-se frustrado. Vinha de uma linhagem nobre de vampiros, descendentes diretos de Vlad Tepes, o filho do dragão, ou Drácula, como queiram, e de seu irmão Radu, ainda tinha muitos primos e tios em Schassburg na Transilvânia, uma região montanhosa ao norte da atual Romênia.

Seus pais migraram para o Brasil vindos de Portugal, em nau capitânia da esquadra de Cabral. Vinham movidos pelo desejo de provar novos sabores. Dizia-se que o sangue dos nativos, além de possuir exótico sabor, era um afrodisíaco potente – ele nunca entendeu essa necessidade de afrodisíacos para sua espécie. Os vampiros são imortais. Qual seria então o motivo de se preocupar com perpetuação? Sendo eternos estão portanto longe, quilômetros de distância de qualquer lista de espécie ameaçada de extinção. Reprodução? Só por prazer.

Além do mais já naquela época eram pouco perseguidos. Agora então, quase não havia caçadores de vampiros. A televisão criou alguns, ridículos por sinal, tem até uma moça bonitinha mas que age mais como lutadora de artes marciais do que como caçadora. Desde quando se mata vampiro na porrada?

O cinema americano tem essa faceta ridícula, falta pesquisa, não usam os serviços de consultores competentes, e olha que existem milhares de vampiros vivendo por lá. Justiça seja feita, Polanski deve ter sido muito bem assessorado, seu "The Fearless Vampire Killers" ou "A Dança dos Vampiros" foi um primor. Uma exceção, para confirmar a regra.

De qualquer forma estes caçadores estereotipados acalmaram a humanidade e sua gente foi deixada em paz. Mas, cargas d’água! Por que sua família não procurou outro lugar para migrar? Por que não os países nórdicos, com seus dias frios e noites imensas? Por que não os países das auroras boreais com suas noites de seis meses, isso sem contar o sangue europeu, fino, chique, quase sem anticorpos.

Em sua composição, água provinda das mais puras geleiras e nascentes; as Highlanders então, que delícia! Sempre servidas em alvos recipientes, pescoços delgados e longos, sublime, de um erotismo ímpar. Cáspita! Não! Escolheram os trópicos.

Claro, havia compensações. Podia-se trabalhar sem receio pois o povo daqui estava tão acostumado a ter seu sangue chupado que não se importava mais. Não sentia falta. E era um povo solidário, dava o sangue por coisas muito estranhas, coisas como time de futebol e carnaval, tolos, sublimemente tolos. Uma dádiva para a família Nosferatus.

Mas de uns tempos para cá a coisa começou a ficar preta. Nada que envolvesse diretamente a segurança física (ou metafísica) deles. Começou foi a faltar sangue. Por incrível que pareça o precioso líquido começou a ficar escasso – mais de uma vez tiveram que recorrer ao mercado paralelo. Para os jantares de confraternização só sangue vindo do Paraguai – trazido por sacoleiros, e que devido às péssimas condições das estradas chegava aqui quase sempre coagulado, servindo apenas para compor certos pratos mais populares, uma tristeza.

Assaltos a bancos de sangue estavam descartados, eram vampiros honrados, honestos, não se rebaixariam a tanto, nem mortos, ou melhor nem vivos!!!

O grande problema era a concorrência desleal. De uns tempos para cá surgira no país uma espécie diferente de vampiro, uma mutação maléfica. Esta espécie tinha se instalado na capital federal e possuía ramificações para todo lado. Chegou devagarzinho, igual àquela famosa história: primeiro pisaram em sua grama, depois entraram em seu jardim, e agora roubam suas flores, seu estoque de sangue! Não dá mais para ficar, o sangue acabou, sugaram um povo inteiro.

Para ele e os seus só restava partir, em busca de novas paragens, em busca de campos férteis e alimento farto. Cantarolou plagiando Bandeira:

“Vou me embora para Romênia,
Lá sou amigo do rei...”

Amigo do rei não, violão: PARENTE!

 
 
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