SORTE
Vera do Val

Conheceram-se no parque de diversões, em uma noite de sábado. Cruzaram-se na porta da tenda da cigana que lia a sorte.

Ele saiu ensimesmado. A mulher lhe dissera que via seu destino em cinzas. Tropeçou com a cliente que entrava. Tinha alguma coisa ligeiramente conhecida, mas ele não se lembrava dela. Uma linda ruiva de olhos claros. Deslumbrou. Ficou por ali, a esperá-la. Algum tempo correu e ela surgiu, cintilante e vermelha. O rosto irradiava. Parecia sozinha e ele se aproximou. Puxou conversa

- Vá se acreditar em ciganas...

- Incrível, não é? - Ela sorriu.

Tinha os dentes muito brancos.

Na montanha russa, aos gritos, ela lhe agarrou o braço. Mãos muito claras, unhas longas e pintadas de carmim. Ele gostou. Sentiu-se forte. Evitaram a sala de espelhos e no túnel fantasma ela o abraçou. Seus cabelos lhe faziam cócegas no pescoço. Nas voltas do carrossel ficou a observá-la. Ria em cascatas, como criança. Lambuzou-se com o algodão doce. Ele enterneceu. Foram até o tiro ao alvo e ela errou todas. Ele riu e acertou o pato. De primeira. Na roda gigante estavam de mãos dadas. Quando ele, desavisado, cortou-se e uma gota de sangue rubro surgiu, ela, docemente, lhe sugou o dedo. Pressuroso, ele lhe lambeu o vermelho da boca.

Mergulhou nos olhos dela. Eram quase transparentes. Ele não resistiu, jurou lhe amor eterno. Ela riu. Era dona da eternidade. Quando ele entristeceu , muito meiga, ela lhe afagou as têmporas.

Quase ao clarear do dia subiram as escadas. Ela corria, ele fingia que ia agarrá-la.

Os lençóis eram muito brancos, ela, diáfana, se perdia neles. Quando ele a penetrou ela incandesceu. Em um átimo reconheceram-se.

Devagar, olhos nos olhos, ela se aproximou das janelas. Abriu as cortinas de chofre. O sol os inundou de luz.

Desfizeram - se em cinzas.
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