UM CARA MEIO ESTRANHO
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Leila de Barros
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Wladimir já estava no consultório há meia hora e a assistente continuava a olhar insistentemente para ele, ainda que de soslaio. Ele já estava acostumado com esse comportamento alheio. Sua figura alta e esbelta, de olhos e cabelos muito negros, descendo pelos ombros, sempre chamava a atenção. E o fato de estar sempre com roupas escuras reforçava a curiosidade, das mulheres principalmente. Ele tentava dominar sua ansiedade, enquanto folheava uma revista de banalidades, muito comum em todos os consultórios. A assistente tentava iniciar uma conversa com ele, abordando signos, notícias recentes e temperatura, etc.. Ele mantinha uma postura gentil, porém reservada. Wladimir sempre se achou um pouco diferente das outras pessoas. Sua família também não era exatamente um padrão considerado normal ou burguês, talvez por isso, a moça o achasse exótico. Tinha pai político, mãe pesquisadora de física-nuclear, um irmão corretor da bolsa de mercados futuros e outro irmão pianista e poeta, não podia ser considerado normal! Wladimir estudava para ser bailarino clássico. Eram todos notívagos e muito pálidos. Cantavam, dançavam e ouviam música clássica ou cigana em um tom ameno, até quase o amanhecer... A vizinhança estranhava... Mas eles não incomodavam ninguém e, portanto, não havia motivo para queixas. Quase não eram vistos durante o dia, à noite saiam muito, ou quando em casa, acendiam todas as luzes do imenso casarão. Wladimir havia sofrido muito preconceito em sua infância, pois era motivo de chacota dos colegas, por ser magro, alto e desengonçado. Ele já suava nas mãos, de tanto esperar no consultório e o desconforto aumentava a cada instante, acentuado pelo olhar faminto e curioso da assistente. Ele tentava adivinhar se teria que esperar mais, se iria sentir dor, se teria algum diagnóstico imprevisto e assustador. Em sua família, todos quase desmaiavam quando viam sangue, uma gotinha que fosse! Wladimir estava ainda mais pálido do que de costume. Finalmente o outro paciente saiu e em alguns minutos, ele foi chamado para entrar na sala. Ao ver aquele homem todo de branco com feições tranqüilas e as paredes pintadas em tons claros, sua ansiedade foi diminuindo. O fundo musical de saxofone vindo de um aparelho de som aumentava sua calma. Ele desejou voar...e esse pensamento o fez estremecer um pouco na cadeira. Foi um procedimento rápido e, pronto! Lá estava o seu dente canino restaurado, desbastado e com um piercing de diamante. Wladimir riu de si mesmo e de seu medo infundado, afinal era só um piercing no dente canino. Ficou tão aliviado por ter enfrentado seu pavor de dentista, que resolveu subir até o topo do edifício para olhar a vista lá de cima e refletir. Lembrou-se dos preconceitos que ele e sua família sofreram pelo atavismo herdado de seus ancestrais, não muito bem quistos. Recordou também do imenso esforço que as últimas gerações de sua família vêm fazendo para buscar as transmutações cármicas. Teve novamente ímpetos de voar para alcançar o por de sol, suas asas azuis quase que se soltaram, arrebentando levemente a costura de sua camisa. Ele sorriu e agradeceu pelo seu novo destino e de sua família. Mais um anjo andando na avenida Paulista, de calça jeans e asas ocultas, assim como o destino de cada um. |