LUA NEGRA
|
Isaias Edson Sidney
|
Estuporados, motor e motorista. Morreu o trambolho. Jacinto olhou feio o motorista, praguejou. Sem muita vontade, a nota amassada mudou de mão. Em volta, o silêncio. Só. Luzes. O clube, do meio do nada. Número igual convite. Degraus. Um negro envelopado, grandes mãos, luvas brancas. Conferiu. O gonzo da porta em altura de palmeira bateu em nó de arrepio na garganta. Criados, dezenas. Prontidão educada e mecânica. Em cortejo atônito, Jacinto em mesa colocado. No branco esfumaçado do tampo, placa de prata. Jacintho, leu. De novo. Estranho o th, fora de moda. O charuto, pensou, sabe a calmaria. Trolha acesa, o perfume nas papilas linguais, o encanto. Sem sentido, pensou na forte fumaça perfumada. Apagou a trolha no cinzeiro solícito em mão de libré. Bebeu. Goles do líquido champanhoso aquietaram a garganta ranzinza. Acudiu em volta. Salão de caverna. Luzes poucas e bruscas, canhões de artilharia, colunas de brilho. Secas as petúnias nas mesas, seco o soluçar da orquestra tangueira, valseando pares em poses e pompas de baile. Viu o que qualquer olho veria. Coragem, tentou animar-se. Ver o improvável, o lado louco, exige mais. Ensimesme-se, Jacinto. Lobo solitário, a estepe espreita, pupila dilatada, narinas abertas, o pêlo eriçado. Cheirou, sentiu, pressentiu, riu e reviu. No meio do salão, entre braços e pernas, encoberto embora por intensos babados claros e esguias fatiotas negras, o rubro vestido envolve a lua. Sangue em algodoal, tremeluzentes ventos, dançantes folhas. Ia e vinha, vinha e ia, rodapionando em zaguezigue, o róseo seio a explodir o decote rubro, rubra a enluvada mão, rubro o salto agulha a sustentar marmóreas colunas em coxas e joelhos encarnadas, rodamoinhos de sexo e paixão. Lua de Lilith. Jacintho assume o th, a si mesmo enobrece, com áurea palma em falso diploma, com ricos e enricados negócios, mansões, iates, carros, tudo do sonho à realidade pescado, metamorfoseado, longa a cabeleira, esticada a ruga da testa, multizerado antes da vírgula o saldo na conta bancária mais que especial. Desencantado o charme, decorado o script, empertigado o porte, assombra, assusta e assume aqueles braços e pernas e seios, o longo tango em tremeleques e tremeliques, o espanto em volta, aplausos, o beijo. Retransporta o sonho para a carruagem, cocheiros em libré, o aconchego de veludos e cetins, paraíso o destino. O beijo. Profundidades molhadas de lagos e torvelinhos. O seio. Rósea rosa da púrpura brotado para o toque, para a boca, para o lábio. Sorve, e em sorvedouro aceita o lábio em leitosa e molhada língua a triscar devagar a estrada da aorta, jugular pulsante em tonitruante desejo, desejo que desce e no ventre explode em mancha branca na calça negra, orgasmo definitivo, ultimado nos caninos a cavar devagar, bem devagar, a jugular, o gozo, o gosto, o fim, o riso em rito na face para sempre preso. Eclipsa-se de Lilith a face negra e, à alva, surge abandonada a carruagem. Dentro, Jacintho, com th, esturricado, a abraçar o vestido rubro. |