PÔQUER
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Carlos
Mestre
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Duas
da manhã, pôquer incerto. E ali estava eu, um full hand ansioso
nas mãos. Dobrei a aposta e todas aquelas caras me espreitaram
incrédulas. Exceto alguém, no fundo do corredor, pernas
cruzadas, grandes joelhos, rosto que o meu astigmatismo não conseguia
divisar. Olhava-me todo o tempo. Ao menos era o que eu achava. Procurei
espelhos no teto, nos quadros pelas paredes. Nada. Cheguei a enfiar-me
embaixo da mesa, à procura do motivo do meu exagerado azar naquela
noite. Nada. Ela levantou-se, e veio caminhando na minha direção.
Os três reis que eu tinha nas mãos queriam saltar nos seios
dela, mas as duas damas que eu segurava não permitiram. Não
descartei naquela jogada. Vitória certa. E aquela mulher do fundo
do corredor, finalmente, tinha rosto. Queixo fino, maçãs
proeminentes, enormes olhos azuis, quadris largos, sorriso maroto. Sorriso
maroto que parecia antever o desastre. Baixei as cartas na mesa, armado
da petulância dos vitoriosos. Mas alguém tinha uma quadra
de ases. Esbravejei, certo de que havia ao menos meia dúzia deles
naquele jogo viciado. Ela gargalhou enquanto beijava os lábios
do vencedor daquela rodada. Enquanto ela o arrastava para fora do cassino
- depois de trocarem um caminhão de fichas por outro de dinheiro
-, senti que os dentes dos seus joelhos, enfim, deixavam de bebericar
o sangue da minha concentração. Ganhei ainda algumas rodadas,
mas não consegui evitar o prejuízo adquirido. Era a minha
primeira vez naquele cassino. E o diabo é que aquela vampira me
fez voltar ali, noites e derrotas sem fim.
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