ALLEGRO MISANTROPO XIX
Sérgio Galli
Ao som do Réquiem, de Wolfgang Amadeus Mozart
 

Para dodô, ave columbiforme, não voadora, da fam. dos rafídeos (Raphus cuculatus), endêmica das ilhas Maurício (oceano Índico), de asas curtas e grande porte, podendo pesar até 25 kg; dronte [Esta ave, aparentada aos pombos, extinguiu-se no final do século XVII devido à caça indiscriminada.]

"... É nos grupos bem estudados de animais e plantas que a extensão da carnificina pode ser mais claramente observada e medida. Sabe-se, por exemplo, que dezesseis dos 263 mamíferos nativos da Austrália desapareceram desde a chegada dos colonizadores europeus. Aqui está a lesta, com o ano em que a espécie foi observada pela última vez; camundongo saltador de Darling Downs (década de 1840); rato arborícola de patas brancas (década de 1840); camundongo-saltador-de-orelhas-grandes (1843); potoroo-de-focinho-largo (1875); canguru-lebre do leste (1890); camundongo-saltador-de-cauda-comprida (1901); marsupial-de-rabo-de-porco (1920); canguru todache (1927); marsupial-do-deserto (1931); marsupial-de-orelhas-de-coelho-e-cauda-branca (1931); canguru-lebre central (1931); rato de ninhos de galhos menor (1933); lobo da Tasmânia ou thylacine (1933); canguru de cauda crescente (1964). É provável que pelo menos algumas das espécies australianas mais raras e menos conspícuas ainda presentes nos início do século XIX tenham desaparecido antes de serem notadas pelos naturalistas. Além disso, em 1996, mais de 34 espécies - o que representa 14% dos mamíferos existentes na Austrália - foram considerados pela União Mundial de Conservação como vulneráveis, ameaçados de extinção ou criticamente ameaçados de extinção..."

- Edward Wilso -

Não podemos esquecer que se há 65 milhões de anos os dinossauros não tivessem desaparecido, nós não estaríamos aqui. Ou seja, somos um acaso, mera ramificação de um arbusto de primatas. É preciso lembrar que o ser humano é muito jovem, cerca de duzentos mil anos e, do ponto de vista cultural, pouco mais de cinco mil anos. E, nesse breve espaço de tempo, não podemos olvidar, nos tornamos o assassino planetário. Nós somos o maior predador, o maior carniceiro, o maior animal de rapina. A história da humanidade é a história da violência, da sanguinolência, da pilhagem, do saque, do estupro, das mutilações, de pilhas e pilhas e pilhas de cadáveres, enfim, o horror. Mas fazer tudo isso com seus semelhantes é crime menor com o que se fez com a extinção de outras espécies, seja da flora, seja da fauna.

Nesta semana em que se comemora a Semana da Água, em Curitiba, Paraná, Brasil, América do Sul, se realiza a 8a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 8). E a nossa sanha aniquiladora não se aplaca, não pára de progredir, ao contrário, está cada vez mais voraz. Para Ahmed Djoghlaf, secretário-executivo da convenção, a velocidade com que espécies estão sendo extintas hoje é "até mil vezes maior do que em qualquer período registrado na história do planeta".(O Estado de S. Paulo, 21 de março de 2006).

Enquanto a cantilena insuportável de crescimento desenvolvimento PIB progresso tecnologia ensurdece, entorpece nossos ouvidos, nossas mentes e corações, a demando humana por recursos naturais já é 20% maior do que a capacidade do planeta em renovar esses recursos. Ainda nessa conferência foi divulgado outro dado alarmante: somente 9% da superfície terrestre do planeta ainda é coberta por florestas "intactas", nas quais estão concentradas mais de 50% das espécies terrestres conhecidas. Ao lado dos oceanos, outro principal reservatório de biodiversidade, as florestas estão criticamente ameaçadas, assim como as espécies que ali residem. (O Estado de S. Paulo, 22 de março de 2006). Os exemplos desse massacre, desse genocídio se espalham por séculos, pelos cinco continentes. Uma carnificina incomensurável.

E aqui no Brasil, o governo Lula passará para a história como o governo que mais contribuiu para a devastação da floresta amazônica. Para quê? Plantar soja, pasto para gado. Assim, em nome do progresso, progredimos para destruir a biodiversidade, nosso habitat, e, conseqüentemente, do planeta. Tudo isso em nome de uma máquina, o automóvel, que nos governa mais do que o governo, como bem disse o escritor mexicano Carlos Fuentes. Tudo isso em nome de quinquilharias inúteis. Será que para vivermos bem precisamos de quinhentas marcas de sabonete? De pasta de dente? De Cereais? De Carne? De Xampu? ....???????? Necessidades artificiais que nos são impostas pela tirania tonitruante da propaganda. Toda publicidade é calhorda. Todo publicitário é canalha.

Nós, o assassino serial, o homo que se diz sapiens, é cada vez mais demens. Um medíocre macaco bípede arrogante, pretensioso, ególatra, narcisista, e sua ganância, sua ambição ilimitada o levará ao fim. Felizmente. O mundo melhor só será possível com a extinção da nossa espécie.

Antes do fim, última citação: "A triste arqueologia das espécies extintas nos ensinou as seguintes lições: o selvagem nobre jamais existiu; o éden foi um matadouro; Paraíso ocupado é o paraíso perdido".(Edward Wilson).
Assim, as espécies sobreviventes - artrópodes, insetos, bactérias - se lembrarão agradecidas de nós, a máquina mortífera, o exterminador do futuro.

Sugestão de leitura: "O Futuro da Vida", Edward Wilson, Editora Campus, 2002. "Os anos com Laura Díaz", Carlos Fuentes, Editora Rocco, 2000.

Outono de 2006

 
 
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