TIRA O CHAPÉU
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Rosi Luna
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Chapéu
Azul, de Tarsila do Amaral Coleção: Simão Mendell Guss |
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Luna em 27.03.2006 quase meia-noite Passa anel, passa chapéu, tava ali parado em frente ao bordel. A de chapéu de oncinha mostrava a cinta-liga se insinuando toda para o chapéu panamá. Ele não sabia se fumava um charuto ou se encarava as coxas da tigresa. O chapéu de palha entregou a corda para o chapéu de cawboy. Ele não sabia se laçava um touro ou se fazia seu próprio enforcamento, de tanta infelicidade. A de chapéu rosa pediu dois metros de fita para a moça de cabelo de trança. Ela não sabia se dava um laço ou se acabava de vez seu embaraço com o moço da esquina. Passa anel, passa chapéu, tava ali parado fumando um rapé. O chapéu roto deu um arroto para o chapéu côco. Ele não sabia se comia mais melancia ou se ia estudar quiromancia. A de chapéu vermelho espalhafatoso sentou bem na frente do cara de cartola. Ela não sabia se desfilava seu modelito justo ou se corria aflita por ele fingir não notar. O cara barbudo de boina verde entregou um embrulho para o companheiro de boina vermelha. Ele não sabia se fazia revolução ou se estudava a evolução do homem. Passa anel, passa chapéu, tava ali subindo direto para o céu. O de turbante disse para o de cabelo encarapinhado de bandana. Ele não sabia se fazia uma profecia ou se insistia em ter uma vida vadia. A de chapéu de aba larga azul olhou com inveja para a emperiquitada de chapéu de viúva com aquela redinha preta que mal dava para ver o rosto. Ela não sabia se piscava ou se descia a escada bem na frente do rei da cocada. O colecionador de boné escolheu no balcão com o moço de cabelo de príncipe um bone azul-marinho. Ele não sabia se virava leão-marinho ou se ia catar estrela no céu azulzinho. Passa anel, passa chapéu, tava ali levantando o véu. A de chapéu de odalisca dançava na frente do chapéu de feltro. Ela não sabia se contorcia o umbigo ou se beijava escondido num beco confuso. O de boné preto queria cheirar a esprevitada de rabo de cavalo que por esquecimento não trouxe a boné bege 100% algodão. Ele não sabia se gostava do seu cheiro natural ou se pedia para ela usar uma colônia leve. O de cabelo lavado simpatizou com a de cabelo escorrido. Ele sabia viver longe dela, não queria ficar pinéu, mesmo sem chapéu, marcou encontro em frente a pilastra vermelha pra fazer o que der na telha. Passa anel, passa chapéu, tava ali contando moeda. O molecote pedinte com o chapéu virado de boca para cima passou o chapéu para o homem de terno engomado. Ele não sabia que ter dinheiro é uma utopia, um dia vai pelo ralo da pia, o que doia mesmo é ficar de barriga vazia. A mulher de chapéu bobo da corte cheio de pontas falava com o chapéu de poeta. Ela não sabia como era ter um livro solo, chorava pelos cantos porque todo mundo duvidava que ela escrevia, escrevia, escrevia, só o poeta acreditava que não era boba, era pura magia. O chapéu gótico fugia do esteriótipo e conversava com a mulher de chapéu de marinheiro. Ele não sabia que tudo foi pago com poesia de mar e de tanto amar, tiraram os chapéus, deixaram os cabelos soltos na maresia. |
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