VAGA
Luciana Pareja Norbiato
 
 

Há um fio tenso, eu tensa, esticado entre o que penso e algo que não atino, que não me volta. O que era? Como uma coceira dentro da cabeça. Besteira, talvez? Como se desfeitos os laços do meu pensamento. Não consigo resgatar aquilo. Aquilo o quê? Algo que não sei, que me ultrapassou no passado e já não posso rever, prever. O que, ora, o que? Angústia vem com cada tentativa frustrada, mas se não lembro o tema, se não lembro nada, se não lembro por que comecei essa cantilena etérea, se apenas reclamo em meio a esta dúvida, mergulhada em uma poça de sangue, quem sou eu, quem sou eu?

Não faço a mais vaga idéia do que faço aqui. Estou em uma sala limpa e clara, mas é noite. Limpa, com exceção da poça de sangue em meio da qual me encontro sentada. Constatando as evidências de que meu corpo não dói em parte alguma e não há qualquer ferimento visível _acredite-me, para derramar toda esta quantidade de sangue espalhada pelo chão, eu teria de estar extremamente ferida_ não consigo atinar como me encontro em tal cena, em tal ambiente. Meus olhos estão sensíveis, difícil mantê-los abertos, tudo muito branco, luz muito clara. Esfrego-os. Tentativa de ver, tentativa de entender. Tentativa de lembrar. Silêncio.

Onde, o que há comigo? Socorro, quero gritar por socorro, mas temo um destino que desconheço por não conseguir saber absolutamente nada. Quem sou eu? Desespero.

Há alguém embaixo daquela mesa? Quase não enxergo ali, por ser uma escrivaninha com laterais que vão até o chão. Há dedos saindo pela fresta entre o chão e o aço da escrivaninha. Há dedos ali, oh, não...

Sangue. Os dedos dão em uma mão, que está ainda acoplada em um corpo.

Eu apenas não sei.

(continua com o próximo tema)

 
 
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