NOVELITCHA DE ACAPULCO
Lisandra Gomes Coelho
 
 

Trombaram.

Ela, descida do ônibus. Ele, atravessando a rua. Quiseram pisar o mesmo pedaço de chão ao mesmo tempo. Pisaram um o pé do outro.

Gelaram.

Ela, assombrada pela década de memórias do que poderiam ter sido. Ele, como sempre, assombrado pela ameaça sempre iminente de um escândalo em praça pública.

Sorriram.

(Por mais indesejado que seja, um re-encontro é sempre uma oportunidade que se impõe para que se aparem arestas).

Cumprimentaram-se.

Ele, como não podia deixar de ser, afobou-se no temor de deixar mais uma chance escapar. Ela, como jamais imaginou ser possível acontecer, sentiu as pernas, amolecidas, deixando-a sem apoio. Aceitou o convite para o sorvete feito de supetão da mesma maneira mais pelo desejo de ter um lugar onde se sentar até recobrar os sentidos do quê por qualquer outro motivo. Havia também uma curiosidade mórbida esperneando no interior do seu ser que ela achou que poderia ser satisfeita aceitando o convite.

Quem fim, então, levara a garota que lhe virara a cabeça quando se amavam tanto que nada mais parecia ter importância? Não sabia, não se lembrava do rumo que ela tomara.

E a curiosidade nela só se fazia crescer: por onde andava a noiva, a quase-esposa, aquela que, elemento estranho surgido quando ela se casou, acabou abortando um re-encontro entre eles logo após seu divórcio? Até onde ele podia se lembrar, tinha casado e ido embora do Brasil. Ela ainda chegou a enviar um postal para ele, não se lembra se da Argélia ou da Tunísia, algo assim, mas ele se esqueceu de onde havia colocado.

E a riquinha, filha do cônsul da capital, professora de italiano na Società? Dessa, ele não conseguia lembrar sequer o nome.

E toda aquela lista de mulheres a quem ele havia prometido exatamente o mesmo que anteriormente prometera também a ela, toda aquela imensa e improvável lista de mulheres bonitas e interessantes era agora apenas um registro dos esquecimentos que ele, um a um, cometera ao longo da vida, dando a certeza a ela de que era um incorrigível homem sem palavra, capaz de se esquecer das pessoas a quem prometia dezenas de filhos do mesmo modo como se esquecia do que havia almoçado no dia anterior. Ele era incapaz de criar algo especial com um alguém que fosse sem que se esquecesse disso em seguida. Ninguém teve importância na vida dele, assim como eu tampouco tive, concluía ela agora, entre suspiros aliviados pela certeza de que eles estavam fadados ao fracasso desde o primeiro momento por culpa única e exclusiva da incapacidade dele.

E, por fim, quais eram as novidades então, já que todas as suas curiosidades se haviam dissipado e agora só lhe restava dentro do peito um grito surdo de libertação?

Estava noivo, ia casar. Família maravilhosa, grandes planos. A garota tão perfeita que ele não conseguia entender como pôde se ocupar de um sujeito sem graça como ele. E ela, o quê lhe contava de novo?

Levantou-se da cadeira que ocupava, já sentindo a firmeza nas pernas de volta, diante de um sundae derretido. Desferiu-lhe um delicioso tapa na cara, sentindo com isso um prazer quase sexual. Sentiu que era o primeiro orgasmo que ele lhe dera na vida.

- Não lembras um centímetro do teu passado e ainda assim és incapaz de deixar de repeti-lo continuamente, timtim por timtim, como se fosse um espetáculo ensaiado!!

Incrédulo e aterrorizado, ele ergueu os olhos para ela, com um pequeno sorriso de satisfação brotando no canto dos lábios.

- Lembra que há dez anos eu disse que estaria sempre esperando por um tapa seu no meio da minha cara?

"Esqueça de mim,
que afinal pra esquecer
você tem experiência".
(Siga seu rumo)

 
 
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