ISABEL
Leila Silva Terlinchamp
 
 

Ao final de algumas horas a casa reluzia, não sobrou um grão de poeira, uma mancha na parede, cada canto fora revirado e tratado com água, sabão, vassouradas e espanadas. Depois, o batalhão de mulheres tomou o rumo da cozinha para cuidar da etapa seguinte, as comidas. O noivo de Isabel, minha prima, chegaria naquele dia. Tanta preparação e tanta preocupação! Quem seria o príncipe merecedor desses cuidados? Perguntávamo-nos sem, entretanto, largar as nossas brincadeiras que consistiam em grudar chiclete na calçada, deixar que se amolecesse pelo sol, esperar que um desavisado pisasse ali e saísse fulminando. Às vezes esperávamos muito tempo por nada, ninguém passava ou, quando passava, percebia o chiclete a tempo de evitar a catástrofe e perturbar o nosso deleite. Guiados por minha prima (não a noiva mas a sua irmã mais nova) passamos a outros experimentos como encher um balão de água, esperar um infeliz passante do alto de uma escada e lançar sobre ele o nosso engenho. Essa era uma abordagem mais direta e satisfazia melhor as nossas ambições. Parabenizávamos Valentina pela excelente idéia, mas logo a minha tia, uma bruxa-desmancha-prazeres, avisada por uma das nossas vítimas vinha pôr fim ao jogo. Não tínhamos sossego.

À noite ele chegou. Vinha do Rio e isso era longe, quase exótico. Casaram-se algum tempo depois e não sei até quando foram felizes. Nem sei se houve tempo para felicidade. Não demorou muito para que o príncipe tirasse a máscara e Isabel confeccionasse a sua. Virou atriz doméstica e passou a representar o tempo todo. Tanto representou que passou a acreditar que ela era aquela e não a outra de antes do casamento. Às vezes até aparecia com grandes óculos escuros de star, os quais não tirava para nada e ria um riso falso enquanto contava histórias de esbarrões, queimaduras, choques que deixavam marcas na sua pele. No final das contas não era tão boa atriz.

Nunca mais ninguém lavou a casa para receber o príncipe de araque, nem mesmo o primeiro degrau da entrada. Aliás, a minha tia o fez compreender que ele estava dispensado de ultrapassar aquele degrau. Estava mais do que dispensado e menos do que proibido. Não podia proibir porque afinal, nunca se sabe…Infelizmente ele agora era parte da família.

Pobre tia chata. Perdeu esse jogo.

 
 
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