5ª FEIRA
Kátia Rodrigues
 
 

O gelo derrete no copo. No congelador não há formas suficientes! Merda! Acho que estou alta... mas não importa. Você saiu fazem umas duas, talvez, três horas. Lavei a louça em silêncio. A casa, vazia. Sinto-me algumas vezes la belle de jour. A própria Deneuve, sem sua beleza e luz própria. Lavei a louça e deixei no escorredor. A casa dormia apesar de não serem nem oito horas. Quantas horas ficamos juntos: Seis, sete? Não me bastaram. Você sabe que quando parte me rouba todas as horas que ficou comigo... ou talvez eu fique num canto, longe de mim, vazia.

Andei descalça em busca de chão. Escolhi uma camisola que combinasse com a noite que cai, hoje sem lua e estrelas. Negro como a luz que não está lá fora. Com flores perdidas, soltas. Enchi a banheira e coloquei música. Não as nossas, mas sons que tocam notas. Ritmos. Acordes. O som que sai da TV resolveu tocar músicas que lembram do amor... isso, o amor, esse meu velho conhecido... Apaguei todas as luzes. Acendi velas, incensos, num esforço de me separar do mundo, criar meu próprio tempo, minuto novo. O ruído da água, na banheira fechada. O silêncio da rua, tal qual o seu que partiu. Como ousa partir?? Coloquei água nas formas de gelo que teimam em estar vazias, quando mais preciso. No copo coloquei uísque, o resto que tinha na garrafa... Na TV toca: "ah... dimdim... se soubesses o bem que te quero... a vida seria dim dim... volta dim...!" e minh'alma canta...

Mas voltando ao scoth, coloquei o resto do 'bala' no copo com o nada de gelo. Tirei o vestido, o sutiã, a calcinha. O incenso cheirava e as velas, quatro, eram demais. Apaguei três e ficou a chama fraca de uma vela laranja... Entrei na água quente e liguei o motor, depois de colocar espuma... o barulho da água, os olhos fechados e você distante, diante de mim. Lembrei do dia de hoje, da sua chegada...

Sentada no micro... dor de cabeça e de humor, se é que humores doem, machucam, irritam... você abre a porta, com sua chave. Me vê, olha e beija... Beijo terno, fraterno, frio, que dói. Levanto, sento-me no sofá e você assume a cadeira, em frente ao micro onde estou agora. Ah meu amor!! Que merda amar assim. Ou não!! E a solução??? Será que existe??? Conto do dia de ontem. Do pesadelo. Da dor de cabeça no meio da noite que fez com que eu não saísse. Pensei em remédios, e não me mexi. Achei que era sonho e acordada fingi dormir. Conto da chateação. De filhos, coisas, mas não falo de mim. Levanto e deixo você sozinho. Saio tentando guardar seu cheiro, meu. Não pertence a mim, é outro, mas ainda assim o busco. Coloco a chaleira no fogo.

Volto, sento, olho. Percebo-o me olhando, despindo, subindo pelos pés com os olhos. E olho, e desejo... espero. Falamos de coisas banais, afinal somos banais. Medíocres talvez. Quanto tempo perdido, desperdiçado. Ou não? Tenho que ir não sei onde, lhe digo e você diz, 'vamos'. E lá vamos. O vento, os carros, a chuva, a rua, pessoas. E você está lá, como eu. Fomos. Somos? Voltamos, juntos. Juntos? Vontade de lamber-lhe a face, chupar-lhe os dedos... devorá-lo. Come-lo, engoli-lo, inteiro.

Volto-me ao caldeirão e providencio nosso almoço, com sobras que estão ali espalhadas. Você em pé ao meu lado. Seu cheiro meu cheiro, impregnou-se de mim, perdeu-se. Amo-lhe tanto!! Quarta dose de uísque. Será que ainda sou eu? Quem digita agora enquanto conto um conto??? Não importa... Invento uma receita, faço-lhe uma comida. Rimos, conversamos, falamos, nossos silêncios cheio de olhares, carícias. Cúmplices? Fomos, será que seremos um dia? Ou só vocês que são? Lá fora a tarde deságua e pergunto-lhe se é o fim do verão. Pode ser, responde. Rimos. Tomamos café, passado fresco. Presente. Momento. Você e eu. Novamente. Juntos. Será? Então eu fico diante de você. Olhos nos olhos. E digo tudo, silencio.

Escuta-me? Onde está agora?? Você sentado na cadeira, ao lado. Levanto-me. Tiro o vestido enquanto me olha. Olhos nos olhos. Desabotôo o fecho do sutiã, que solto. Olhos sustentam os olhos. Deslizo os dedos abaixo da cintura e desço toda roupa que me cobre. Descubro-me. Desnudo-o completamente. Vestido, ajeita-se. Paro diante de você, que me olha quieto. O café quente. Sinto-me ferver. Você impassível, eu impossível. Paro em pé, o ventre diante do seu peito, os seios acima dos seus olhos; diante de você uma mão na cintura, a outra que toca o sexo, as pernas que se afastam, os olhos que lhe olham, devoram, desejo-o. Seus lábios se afrouxam. Em silêncio coloco um pé sobre a sua coxa e com o dedo, procuro o ponto certo, me toco e deslizo numa umidade que nasce por você. Seu rosto todo relaxa, e a fumaça do café esconde-lhe os olhos, a xícara a boca. Levo a mão esquerda ao seio. Contorno o bico, aperto. Mordo as costas da mão enquanto, molhada, deslizo, me masturbo diante dos seus olhos, escancaradamente. O café é sorvido e aberta me mostro. "Há sempre uma estória pra contar... que todas as canções podem contar..."... "aquele beijo"... fala a música da TV. Você fecha os olhos enquanto me toco, mexo pra frente, devagar. Tocando-me lhe toco. Seus olhos nos meus. Meu sexo, seu. Requebro. Mordo os lábios e olho. Desejo. Você fecha os olhos e toma o café. Gozo.

Sento ao seu lado, no sofá vermelho da sala. Com o vestido me cubro, deito a cabeça no encosto. Você comenta de ontem, de uma palestra... da Carmem. A dos balangandãs. Não me interesso. Você me interessa. Ficamos ali, de conversas. O relógio marca as baladas. Você lembra que perdeu a hora. O que tinha mesmo pra fazer? Não importa, você se vai. Eu me esvaio... Visto o vestido, pela cabeça, e levo-o a porta. Você faz menção de abrir. Quase toco minha mão na sua, mas você espera que eu abra. Dou-lhe um beijo, um abraço. Sinto seu cheiro. Meu. Meu homem, meu amor. Será que você volta amanhã... E vou cuidar da louça... Estranho amor que me consome... E consumida digo que isso deve ser um feitiço, encantamento... atração irresistível! Fascinação. Será isso o amor???
 
 
fale com a autora