REMINISCÊNCIAS
João Rodrigues
 
 

Aquele sorriso...

Meu velho avô, ainda me lembro, em seu robusto cavalo branco, saia desfilando fazenda afora, visitando compadres e amigos, dando "bom-dia" a todos que encontrava pelos pictóricos caminhos da roça. Eu, sentado em sua garupa, ainda com meus quatro ou cinco anos, vislumbrava cada palmo daquela paisagem pitoresca, repleta de flores e borboletas coloridas.

Apesar de ter nascido no campo, sair com aquela idade a visitar fazendas vizinhas era uma alegria indescritível, uma verdadeira glória para mim; um desejo que qualquer moleque que fosse criado sob o olhar vigilante dos pais, e eu era um deles, continha guardado no peito e aguardava ansiosamente por essa realização. Eu aproveitava aquele momento de fascinação para extravasar todo o meu sentimento de liberdade, saindo da concha que me enclausurava - a barra da saia de minha mãe - e passear pelos verdejantes campos sob o fúlgido sol no raiar da manhã. Poder aproveitar aquele momento mágico antes apenas explorado por meus ousados e criativos pensamentos era o néctar, um passeio sobre a Bagdá dos tempos de Aladim em seu maravilhoso Tapete voador.

Mas o melhor mesmo era quando chegávamos à fazenda de seu compadre Anacleto. As negras traziam café para ele e, para mim uma enorme quantidade de doces, biscoitos e outras guloseimas. Depois de tudo isso eu ainda podia correr pelo pátio da fazenda com os moleques, caçar passarinhos e fazer outras mil e uma maravilhas, (ou peraltices). O horizonte era o meu limite, muitas vezes interrompido por uma cerca de arame farpado. Mesmo assim, o que meus olhos alcançavam era como se eu tivesse presenciado, tocado, vivido.

Suspiro, ao ver o sol nascer através da janela do meu apartamento, um suspiro saudoso, lânguido, ao lembrar das belas manhãs de domingo na garupa do belo e robusto cavalo branco.

Meu horizonte ainda está ao alcance de meus olhos, mas não mais do que até a porta da minha sala ou, no máximo, uma avenida, e muitas vezes limitada por um semáforo. Hoje, em meu mórbido apartamento de dois quartos, sem varanda, sinto-me enclausurado, não na barra da saia de minha mãe, coisa que já aboli há muito tempo, mas em um mundo ridículo e sem graça, que trocou meus pitorescos caminhos campestres por imensos corredores de carros, e as magníficas e coloridas borboletas que enfeitavam meu céu foram substituídas pelas reluzentes e traçantes balas de fuzis.

... me fez lembrar de meu avô.

 
 
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