FULGAZ
|
Eduardo Sales
|
Alto, pertinho do céu. Rubio fitava aquelas folhas verdes até sentir a aspereza. Um verde bandeira que reluzia o sol do meio-dia. E as cascas dos galhos que se desgarravam com facilidade, logo se tornavam adubo. Sem inclinar a cabeça, nem o tronco, apenas com o movimento ocular, observava a imensidão que vinha de baixo. Desde pequeno adorava contemplar as paisagens: na praia, no campo, na cidade; isso o fez um ótimo fotógrafo nas horas vagas. Sim, pois havia optado por outra profissão para usufruir de alguma segurança financeira: era piloto de avião. E para obter as melhores fotografias, acreditava que deveria se arriscar, pois o êxtase custa caro. Assim, foi para bem longe de sua cidade, num lugar onde nem ele mesmo saberia dizer. "Era uma serra". Se as árvores pudessem enxergar, já estariam enfastiadas de tanto conviver com trivial abismo. Mas era a primeira vez que o pai de família, 43, e bem sucedido piloto, visitava o lugar. E como numa cena de comercial televisivo, respirava fundo até fazer com que todos os alvéolos pulmonares também gozassem de tão refrescante sensação. Fascinava-se por aquela imagem. Com o solo a perder de vista e as aves de rapina voando a sua altura, afrouxava o nó da gravata para sentir-se uno com o penhasco, as árvores, a grama, os pássaros. Olhava para as aves e mais uma vez empolgava-se com a possibilidade de mergulhar nas entranhas do lugar, voando. Invejou-se das aves. Lembrou-se de um livro que ganhou quando adolescente e pensou em mudar o nome para "Fernão Capelo Gaivota". Súbito, decide voar para dentro do abismo. Pena que assim perderia o fascínio por aquela imagem, pois o fascínio é fulgaz, e, se voasse, ele faria parte do próprio abismo. Algo o salvou desse último pensamento, o verde da esperança. Sua maior esperança era voar, e voou. Fascinava-se, dessa vez, com o verde da folha na mão direita. Só por alguns segundos. |