UM
Alexandre Ferreira
 
 

Fresca manhã. Fazia sol e a persiana negra que cobria a janela deixa tatuada, em linhas horizontais, a luz tênue e branca da claridade vespertina naquelas costas morenas.

Sono profundo. De bruços dormia meu sonho, tranqüilo, peitos cheios de ar, aqui e ali, respiração compassada. Cabelos num desalinho arrumado, a mão direita neles vez ou outra punha uma mecha desobediente atrás da orelha, ato involuntário do brilho que descansa enquanto a vida despertava lá fora.

Boca entreaberta, o ar ia, a língua vinha molhar os lábios áridos, vistosos, enquanto na mente as lembranças da madrugada passada remontavam um toque doce, um gosto macio.

Indescritível fascinação. Os poros saltados, pêlos ouro em riste, eu era olhos e me curvar foi inevitável, sentir o aroma daquele arrepio sem porque me fez aturdido e a complexidade do sentimento que em mim explodia foi compreendida pela pele que bradava um toque.

Palavras mudas inundavam o quarto, a comunicação gritada silenciosamente não despertava o sonho tatuado de sol, nem fazia vibrar as cordas vocais dos olhos encantados, mas se faziam entender numa banda diferente, exclusiva.

Vontades cruzadas e tudo se compreendia.

Já não era mais o desejo de estar perto que saciava a sede atroz que faz sangrar a garganta, mas sim estar dentro do outro e suar juntos, fazer sal no lençol, ser um, fundidos, matéria uniforme.

Já não fazia sentido bater separados o encaixe perfeito, olhar era mais, sorver era mais, cheirar era mais, era fazer do sonho ar, era fazer da tatuagem um calor febril e derretido que misturava o claro e o escuro, a reta e a espiral num bloco compacto de suspiros e apelos gemidos.

Enfim, falava e não se ouvia, atirava e não caia por que era infinito e não morria, mas estalava o dedo pra despertar o sonho que beijou a noite inteira pra dormir de dia.

 
 

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