TEMA
PROPOSTO |
"Um
homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco.
A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições.
Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios
(entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que
ouvia alguém a chamar à porta das petições
fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da
aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso,
tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam
a murmurar, Que rei temos nós, que não atende), é
que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria
o impetrante, que não havia maneira de se calar. Então,
o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este
chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava
o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher
da limpeza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria
a porta das petições e perguntava pela frincha, Que é
que tu queres. O suplicante dizia ao que vinha, isto é, pedia o
que tinha a pedir, depois instalava-se a um canto da porta, à espera
de que o requerimento fizesse, de um em um, o caminho ao contrário,
até chegar ao rei. Ocupado como sempre estava com os obséquios,
o rei demorava a resposta, e já não era pequeno sinal de
atenção ao bem-estar e felicidade do seu povo quando resolvia
pedir um parecer fundamentado por escrito ao primeiro-secretário,
o qual, escusado seria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário,
este ao terceiro, sucessivamente, até chegar outra vez à
mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse
de maré."
(trecho extraído do livro "O Conto da Ilha Desconhecida", Companhia das Letras - São Paulo, 1998) |