AS FILHAS PERFEITAS E O CÃO DE LÁZARO
(uma história bem infanti)
Ubirajara Varela

Algumas penas de pavão, plumas não tão nobres e contas coloridas adornavam as roupas das duas filhas. Eram exemplares as gurias. Não cometiam excessos, não abusavam de ninguém, não passavam pela porta da intemperança. Decerto que mereciam o céu.

Em contrapartida, vivia entre aquela ajustada família, um cãozinho. Um vira-latas simpático e de boas intenções. Nascido ali mesmo, entre eles, era como um membro da família. Um filho de verdade. No entanto, com o passar do tempo, o jovem mascote foi sendo excluído da família, justamente por nutrir alguns valores que batiam de frente com o moral dos seus. Aliás, toda vez que algum problema acontecia naquela casa, o primeiro a ser acusado era o cãozinho.

-Foi o Lázaro. Aposto! Só pode ter sido ele. É ele quem pega tudo, é ele quem some com tudo. Lázaro é um egoísta, um pulguento, um vira-latas.

Mas no mais das vezes, não era Lázaro. Lázaro não virava latas, não era de sua índole. Ele seria incapaz de invadir o espaço dos outros. Apesar de sua aparência de mestiço, era um cachorro adestrado. As filhas perfeitas sim, viravam latas, mexiam umas nas plumas das outras. Bastava uma mínima procura nos armários das queridinhas, e logo o objeto sumido aparecia. No meio das penas de pavão, das plumas não tão nobres e das contas coloridas. No entanto, ninguém se desculpava, ninguém reconhecia o falso apontamento. Lázaro continua o culpado. Pobre cão.

O marido, algumas vezes, reclamou com a matriarca, que achava um absurdo um cão daquela idade viver ali com eles. E a matriarca colocava o cãozinho de novo preso no canil para não perturbar a ordem (nem a horda), pois o marido não poderia nunca ser contrariado.

Uma vez Lázaro latiu para a matriarca. Latiu forte, pois estava com muitos ossos entalados na garganta. E a matriarca cuspiu em sua cara, dizendo que ela era triste por culpa do cão. Que se a casa era uma bagunça, a culpa era do bicho. Que a depressão tomara conta de todos, desde que o animal chegara para viver naquela casa.

Lázaro engoliu seu latido, que mais parecia um ganido, e foi para o canil. Sem ninguém mandar. Já sabia que ali era o seu lugar. Mas pensou que assim que pudesse fugiria de casa, pois não queria ser o culpado de tanto desgosto, de tanta tristeza. Ele nutria um grande amor por todos. E, afinal, os cães foram enviados por Deus para alegrar a terra dos homens, para serem companheiros fiéis, para completar as famílias com suas feições e gestos de carinho.

Quando se decantava a mágoa em seu coração, Lázaro percebia que nunca adiantaria fugir. Tinha que encarar de frente as situações, mesmo que as mais adversas. Ser valente.

No natal, a matriarca preparou um jantar. Convidou algumas pessoas, preparou a árvore ladeada por presentes, colocou luzes coloridas pela casa. Tudo estava correndo às mil maravilhas. Todos bebendo, comendo, até Lázaro ganhou uma porção extra de ração. Também conseguia algumas migalhas quando abanava o rabo ou roçava a patinha na perna das pessoas.

-Que cachorrinho lindo. Educado. Tome esse pedacinho de pão. Coma uma lasca de bolo. Que o caroço de uma nectarina?

Na hora de abrir os presentes, as filhas foram as primeiras. Muitos presentes: novas penas, novas contas coloridas, algumas porcelanas pintadas à mão. Tudo foi colocado no chão, espalhado ao redor da árvore, entre as pessoas que sorriam e falavam alto, enquanto bebiam espumantes.

Lázaro foi chamado também para ganhar um presente. Mas não passava bem. No meio de todo aquele colorido, tanto barulho e risos altos, o cãozinho estava enjoado. Havia comido muitos restos: pão, chocolate, bolo, caroços e restos de frutas - tudo aquilo revirou em seu estômago e Lázaro regurgitou em cima das plumas, contas e porcelanas.

-Seu nojento. Ridículo. Egoísta. Eu sabia, logo você ia aprontar alguma. Não pode nunca ficar bem. Tem que fazer das suas. Vá agora para o seu canil, animal imundo.

E Lázaro colocou o rabo entre as pernas, caminhou com as orelhas tão fartas, procurou o canto mais escuro do canil, deitou ali mesmo.

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