AMARELO
Mauricio Melim
 
 

Eu acabara de chegar em casa, ouvi alguém chamando, a vizinha, no portão. Cumprimentei-a e ela me perguntou se podia deixar um peixe comigo, desses pequenininhos, ela disse, por que iria viajar uns dias. Na cozinha, a vizinha me explicava como cuidar do peixe, senti álcool no seu corpo.

Procurei ser amável e estender a conversa sobre o peixe, já emendando sobre sua viagem, sobre o clima. Eu não sei se ela me atraía, foi o pensamento que me veio quando ela saiu, perguntei pra porta por que eu metera assunto na conversa, e fui olhar o peixe. O peixe tinha uma faixa amarela que fazia com que eu não me desse conta de que outra cor ele era feito. No banheiro, mijando, lembrei que podia perguntar ao peixe sobre a dona, talvez me revelasse algo, os dois tinham alguma trama, quem podia saber? Acendi um cigarro, o peixe se espantou com a brasa, por causa do dourado, supus. O que sua dona está querendo?, falei com a boca bem aberta, se não pudesse me ouvir, que lesse meus lábios. O peixe permaneceu mudo. Naquela noite dormi pensando no peixe, no amarelo do peixe, e na dona. Acordei no meio da noite pra mijar, de onde tanto mijo?, me ocorreu perguntar. Na privada tinha algo se mexendo, da altura dos meus olhos, pensei, mas concluindo pura fantasia, era o peixe, o peixe de faixa muito amarela. Primeiro o odiei por estar lá, porque o mijo me dominava, porque eu não podia mijar no peixe. Depois me abaixei e vi que sua cor restante, não o amarelo, era azul, um azul fosco. Levantei pra mijar, no banheiro pensei em tomar água e fui até a cozinha. Enquanto enchia o copo eu mirava o peixe, a vizinha, o peixe era o link para a vizinha. Três dias depois, a vizinha veio. Entreguei o peixe dizendo que tinha sido uma boa companhia, que eu até pensara em arranjar um. A vizinha contou onde tinha comprado. Perguntei se costumava beber, ela respondeu com os olhos desviando que sim, tinha dias que sentia vontade e bebia. Eu disse que tinha umas cervejas em casa, ela aceitou. Entramos em casa, a primeira lata, teve duas mais até sua boca sorver a minha. Deitamos no chão da cozinha, depois, mais cômodo, no sofá, meu ponto final foi no tapete. A próxima cerveja a vizinha negou, mediu que estava na hora de ir embora. Levei-a até o portão e lhe pedi o peixe, me dê o peixe. Ela riu e foi, não sei se para buscá-lo.

 
 

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