EM ORAÇÃO
Kátia Rodrigues
 
 

Sentiu no corpo o vento da noite.

As janelas abertas deixavam ver um pedaço de nuvem, estrelas esparsas, um tanto de céu.

A rua em silêncio, deserta.

Ao longe ruído dos carros que passavam calmos.

Na ponta dos pés andou pelo corredor, indo até a cozinha.

Abriu a geladeira, e, apertou os olhos diante da claridade. Apanhou uma garrafa, colocou-a sobre a pia. Do armário sacou um copo, que encheu levando até a boca, enquanto a mão segurava a garrafa. Novamente tornou a encher, e o som lhe dizia quanto ainda precisava ser completo. Virou-se e, nua, foi até a sala.

Sentou-se no sofá vermelho, de frente para a janela.

Gostava desta época do ano, quando todos viajam, as ruas ficam desertas, exceto por alguns que se escondem pelos cantos, quietos, como gatos.

Colocou os pés sobre o sofá e com as duas mãos segurou o copo, entre os joelhos. Jogou para trás os cabelos, encostou a língua nos lábios, molhados, abriu os olhos e fitou o horizonte distante.

No fundo do céu viu o brilho, que sempre esteve ali todas as noites.

Então sentiu saudades. Não àquela doída, que corta, mas a de uma lembrança que sempre voltaria, quando o dia amanhecesse e não estivesse mais nessa casa.

Levantou-se deixando o copo no chão, e atravessou a sala quase vazia.

Colocou os cotovelos no parapeito, sentiu cheiro de mato, de gente, de mar, respirando fundo, aprisionando um momento tão completo.

A claridade da noite iluminou-lhe os seios nus, e olhou-se ali, completamente despida. Virou as palmas das mãos para cima e, afastando os braços, abriu-as como num abraço; frente para o Redentor agradeceu por cada um dos dias. Olhando-O lembrou que sentiria falta de suas confissões noturnas, das lágrimas que foram testemunhadas, dos risos, das noites em claro, do amanhecer, quando Lhe apagavam as luzes, da Eterna Presença.

Fitou-O em silêncio. Deu-se conta que poucos se despem em oração, e ela o fazia de corpo e alma, sem dia certo, mas por inúmeras noites, nestes últimos 22 anos. Deu-Lhe as costas, sem se despedir, pois levaria consigo a fé, o amor e a sua infinita esperança, onde quer que esteja.

Em suas preces vê-Lo-ia sempre de braços abertos sobre a Cidade Maravilhosa.

 
 

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