A MAGRELA
Carlos Bruni

Como qualquer menino de minha idade, eu tinha um sonho: ganhar uma bicicleta. Queria uma que fosse igual a de meu amiguinho, na qual o via subir e descer a rua e até fazer malabarismos, pois o danado conseguia ficar de pé, apoiado nos pedais, circulando como se domasse um alazão.

Minha mãe era a quem eu repassava esse sonho. Não cansava de pedir uma bicicleta dessas, súplicas reforçadas com a aproximação do Natal. Pacientemente, ela respondia que eu pedisse ao pai; afinal era ele quem decidiria a compra daquele objeto de desejo.

A mim, pirralho impertinente, não importava saber que o velho contava na ponta dos dedos as notas do ordenado rigorosamente justo para o sustento da casa. Mesmo assim, veio a promessa da bicicleta, contrabalanceada com a exigência de boas notas no boletim escolar, que me dava alento. Restava-me, então, sonhar enquanto morria de inveja do amiguinho exibicionista.

Chegou o Natal e, com ele, graças a duros esforços de meu pai, a bicicleta. Na manhã tão aguardada, acordei na expectativa do pedido atendido. E lá estava ela, ao lado da cama, mas...

Mas acontece que era de um tipo que eu não esperava. Essa bicicleta não tinha os pedais na sua posição habitual, comandando correntes e catracas; ficavam eles conectados diretamente ao eixo da roda dianteira. Não davam ao condutor a possibilidade de colocar o peso do corpo neles e ficar de pé, pois era necessário mantê-los constantemente em movimento sob pena de, fazendo aquele malabarismo, capotar espetacularmente. Coisas de um presente de custo menor, o que eu não entendia.

Decepção dividida com sobras de prazer, fui para a rua, mas sem coragem de emparelhar com a outra bicicleta, aquela na qual se podia ficar em pé nos pedais.

Dentro de minhas possibilidades, as brincadeiras continuaram, o tempo passou, e esse mesmo tempo permitiu que meu pai melhorasse suas condições de vida até que aparecesse em casa com uma bicicleta de competição. Se o velho sempre acalentou esse sonho, nunca o revelou a ninguém, concretizado, enfim, com uma magrela ágil, guidão baixo e cambio de dez marchas. Para mim, uma jóia rara.

Na falta de lugar onde guardar a máquina, ela passou a ficar no quarto, aos pés da cama de meus pais e em muitos finais de tarde era retirada dali para um polimento e uma voltinha pelo quarteirão. Nunca me foi permitido montá-la, talvez por zêlo pela preciosidade ou simplesmente porque o tamanho não me era adequado.

Jamais tive outra bicicleta; frustrou-me aquela invasora no quarto dos velhos e meu sonho materializou-se em mãos alheias, o que jamais serviu de consolo.

P.S. - Este escrito poderia se chamar "A bike", termo tão em voga atualmente. Mas, quem sou eu para discutir com dona Nostalgia?

 
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